a Sobre o tempo que passa: Que Celeste seja feliz em seu arremedo de Jardim! Giroflé, flé, flá...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.10.04

Que Celeste seja feliz em seu arremedo de Jardim! Giroflé, flé, flá...



Depois de tantos educacionólogos, reformólogos e avaliólogos, a pátria está definitivamente murcha em sua criatividade explosiva. A esperança de sermos reciclados por um fabricante de sumos ou de nos comprimirmos a nível de congeladas verduras e pescados talvez seja espaço curto demais para o que sempre foi o nosso desígnio colectivo. E, face a esta claustrofobia de quintal feito com cimento armado, não haverá nenhuma manipulação de música de fundo capaz de nos fazer levantar de novo, segundo o ritmo da magia publicitária.

Afogados nesta modorra decadentista para que fomos conduzidos pela ambição de dois ou três demagogos feitos ministros, ou de quatro ou conco agenciadores de cunhas e subsídios feitos deputados, perdemos a fibra. Os nossos donos do poder são bonzos demais para domarem a inevitável fúria dos mansos que se avizinha.

E não há água benta nem propagandismos que consigam deter, controlar e encaminhar a inevitável maria da fonte que vai germinando. O ministro supremo do economicismo pode ter fomentado a cultura dos eucaliptos, mas não consegue fazer baixar o preço do petróleo. O ministro do betão pode ter mexido nos gestores do compromisso do beato, antes deste arder, mas talvez não consiga convencer o zé a trabalhar mais e melhor. Tal como o ministro das criancinhas não consegue acelerar a condenação dos pedófilos nem impedir que novas Joanas venham a ser assassinadas pela noss colectiva negligência.

Começa a ser difícil continuar a tapar o sol da verdade com a peneira comunicacional. E não será uma "rentrée" retardada pelos congressos partidários do centrão que apagará a excitação sobre o resultado das próximas eleições presidenciais norte-americanas.

Somos um país definitivamente anedótico. Com mais delegados de propaganda médica do que médicos. Com mais assessores delegados da propaganda ministerial do que direcções-gerais. A geração do Independente e da meia-desfeita, os filhos de Marcelo Rebelo de Sousa, de António Guterres e de Fernando Rosas ficaram definitivamente retratados no épico discurso de despedida parlamentar, hoje feito por Celeste a Cardona, que tão dramaticamente nos anunciou que parte ao serviço da pátria para a sinecura da Caixa Geral de Depósitos.

Sucede àquilo que foram Ulisses Cortez ou Motta Veiga, durante o salazarismo e não pode livrar-se de críticas só porque houve "jobs for the boys" no PS e "boys for the jobs" no barrosismo. Até no tempo da monarquia o poder se confundia com a direcção central da distribuição de recursos escassos, mas então, as ditas sinecuras quase se reduziam ao tacho de José Luciano de Castro e Hintze Ribeiro, como governadores e vice-governadores do Crédito Predial Português, nesse mais do mesmo das boas tradições devoristas e partidocráticas que, sem nacionalizarem a banca, que era nossa, fazem da que sempre foi nacionalizada, a DELES!

Que Celeste seja feliz em seu arremedo de Jardim, que ganhe o que pensa merecer, que tão dolorosamente sirva como representante do Estado. E ainda bem que deixou a política para os políticos que querem continuar políticos, que ambicionam ser políticos, que amam ser políticos e que não querem a política trampolim, ao serviço de fins não políticos. Giroflé, flé, flá... O seu colega no Centro de Estudos Fiscais que a critique e dela zumba na catrapumba... fiquem sabendo: servir o Paulo compensa...

PS: Quase estive tentado a deixar de ser cliente da Caixa, mas resisti, em nome da memória do meu falecido pai que, desde os 18 anos e até à sua reforma, fez da instituição a sua casa, apesar de ter recebido durante três quartos da respectiva actividade profissional como mero funcionário público, como era o espírito dos servidores de tal antiga repartição pública, com quem aprendi a austeridade e o sentido da honra. A Caixa fica, as Celestes passam e, às vezes, até se convertem à força da história. A medalha de ouro que ainda guardo daquele que procuro continuar a copiar vale mais do que outros dourados oportunismos.