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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.11.04

Este sim, este não, este espera, aquele pode vir, desde que não seja criancinha...


Mariana em zanga com as conezias

Não sou católico, nem ateu. Não me sinto agnóstico nem céptico. Não estou filiado em qualquer maçonaria, seita, igreja ou religião secular. Já fui católico, não fiquei anticatólico e até não consigo prometer que dessa fé não me voltarei a imbuir. Porque, por mais força que pense ter, não tenho forças para vencer forças maiores, como são as que vêm do transcendente para o interior. E não gosto de assinar contratos que me vinculem vitaliciamente.

Estou nessa espera-esphera, que é esperança, espicaçado pelo esprit de finesse pascaliano, que não aceita o gnosticismo do esprit geométrique, a tal soberania do método empírico-analítico que nos deu o jacobinismo, o postivismo, o cientificismo, o marxismo e estes herdeiros actuais ditos laicistas, bem como o inverso, dos irmãos-inimigos, com outro grão-mestre e outra ciência arquitectónica.

É a partir desta base secular, mas quase confessional, que passei a desconfiar de todos os que têm provocado o avivar dessa brasa não apagada da questão político-religiosa em Portugal, desde os pirómamos laicistas aos congreganistas de sinal contrário.

Eu, que tenho a ilusão de ser herdeiro do conservadorismo liberal, azul e branco, à maneira de Alexandre Herculano, de nada me incomoda que a Igreja Católica mantenha e reforce alguns privilégios contratualmente reconhecidos pelo Estado, porque assim o exige, por um lado, a tradição e, por outro, os bons serviços que a instituição continua a prestar à comunidade.

De idêntica forma, bem gostaria que a tradicional ordem maçónica, reunida em torno do Grande Oriente Lusitano, perdesse os receios a que, injustamente, foi condenada pela lei de José Santos Cabral de 1935, e também saísse de certa clandestinidade, porque o país bem precisa do reforço do humanismo laico, em nome da mesma tradição e dos mesmos bons serviços que esta instituição sempre prestou à comunidade.


O fraterno em pose de comungante caceteirice intelectual

Foi assim que, ainda há uns tempos, neste lugar e em artigos publicados na imprensa, ousei enfrentar a frente pseudo-laicista que tentou inquisitorializar Rocco Buttiglione. Deste modo, não posso deixar de sublinhar a recente edição das obras completas do Padre José Agostinho de Macedo, onde podem ler-se alguns belíssimos nacos de prosa sobre a versão portuguesa de uma certa associação que não é um lóbi, mas que dá "muito pouca importância à organização", embora apenas admita militantes "quando se entra na vida activa. Porque a adesão é um passo de adulto, não adequado à juventude".

Mas desengane-se, paciente leitor: para ser membro, "não há convites, nem perfil. Todos podem pedir para aderir. Depois são avaliados por mim sobre a seriedade do seu empenho. É muito simples: a secretária faz-me as folhas e eu digo: 'Este sim, este sim. Este não, é preciso esperar um pouco'. Depois, os pedidos são mandados para Itália e as pessoas recebidas na comunidade...".

A organização que não é organização, apesar de profundamente patriótica, está dependente do transcendente ultramontano e proclama possuir alguns representantes da nação: "temos os deputados Pinheiro Torres e Isilda Pegado".

Continuando a ler tão importante antologia de tolerância e pluralismo, podemos reparar que "no aborto, o Movimento organizou as suas forças sociais para ganhar um referendo. Mas cidadãos que vão à praça pública lutar pelas suas posições não são um lóbi! Lóbi é uma força que actua na sombra, à margem dos mecanismos democráticos. É a maçonaria, que em sítios onde ninguém sabe onde são, vai falar não se sabe com quem e obtém os resultados não se sabe como".

Os católicos e maçons, que são homens de boa vontade, e que, durante um quarto de século, estiveram tacitamente concertados para a construção deste nosso regime, não podem ser agora instrumentalizados por este narcísico regresso dos fantasmas que qualquer lei emitida por Hintze Ribeiro puniria.

De qualquer maneira, a partir de agora, os manuais de ciência política deixarão de definar um lóbi como um grupo de interesse, incluindo o interesse moral ou religioso, que exerce uma pressão, isto é, que passa do mero estádio da articulação e da agregação de interesses e trata de influenciar e pressionar o decisor político, saindo do âmbito do mero sistema social e passando a actuar no interior do sistema político.

A organização do sucessor do Padre José Agostinho de Macedo não é um lóbi, apesar de exercer uma pressão que pode ser aberta ou oculta, isto é, que pode actuar directamente sobre o decisor ou, indirectamente, sobre a opinião pública.

Não mais se poderá dizer que, entre as pressões abertas, destaca-se a acção de informação, a de consulta, bem como a própria ameaça. E que, entre as acções de tais grupos sobre a opinião pública, temos tanto o constrangimento como a persuasão. Lóbi é apenas a maçonaria.... Que Deus nos valha! E que o supremo arquitecto nos dê compasso e esquadro!