a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Europa e a ditadura dos perguntadores</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.11.04

Europa e a ditadura dos perguntadores



Reverendo Presidente

O subscritor, detentor do exame da quarta classe do ensino primário salazarista, faz parte daquele esmagador grupo que o Professor Doutor Gomes Canotilho define como "os cidadãos", os tais que "não vão entender pergunta nenhuma". Tem, contudo, alguma experiência de vida para subscrever o Professor Doutor Jorge Miranda, que considera a pergunta "capciosa", na medida em que "condiciona as respostas dos cidadãos".

Com efeito, qualquer pesquisador da vida política sabe que quem manda por direito de conquista, nunca se importou com as respostas que o povo foi dando, se, antes monopolizou a forma de fazer a pergunta. Não há melhor forma de obediência pelo consentimento do que aquela que apenas admite manifestações unicitárias dos bonzos instalados, impedindo que os escravos possam fazer a necessária revolta de escravos.

Ora, o que está aqui em causa é a ditadura dos perguntadores, isto é, das secções portuguesas do Partido Socialista Europeu (PS) e do Partido Popular Europeu (PSD e PP), as quais têm de mostrar aos respectivos directórios de Bruxelas que continuamos a ser os "bons alunos", isto é, as gentis massas que aceitam a viagem de autocarro para a manifestação espontânea de apoio aos instalados, à maneira dos bate-palmas do Almirante Tenreiro ou do bom povo alentejano da Reforma Agrária.

Pior do que isso: quando a vossa reverendíssima figura despiu as vestes do árbitro e de supremo garante da isenção das regras do jogo, passando a ser um dos propagandistas do condicionamento da pergunta e das respostas, temos de concluir, de forma brutal que o referendo já está ferido de bom senso, dado que, nestas condições, a ida às urnas é uma procissão de sacristães que perderam o sentido dos gestos.

Quem arbitra os árbitros quando estes se tornam jogadores? Apelo, portanto, aos espectadores de bancada, para que, antes do jogo começar, façam uma pacífica invasão de campo, sem partirem qualquer cadeira... Basta usarmos as bandeiras que tivemos nas janelas e enchermos o relvado delas. Os que fizeram a democracia nas manifestações de Braga e da Alameda, em 1975, terão que seguir os conselhos dos antigos adoradores do extinto sol da terra e dos governantes de Vasco Gonçalves, agora reconvertidos?

Cidadão que não entende as perguntas do iluminado referendo.