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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.11.04

Anarquista conservador e libertário saudosista


Papagaios de papel à procura de vento novo

Durante muito tempo julguei que a forma mais sublime de manifestar a minha oposição a esta decadência situacionista passava pelo próprio desprezo. E para comigo mesmo fui dizendo: importa ser mais do que ser do contra, importa ir mais além e procurar conversar com o futuro, com todos aqueles que nos possam compreender. Assim, julguei, um pouco fora do tempo, que os homenzinhos e as mulherzinhas que nos governam e toda classe que os serve, para poder servir-se, não iriam além da sua chinela. Enganei-me.

Sei que eles proclamam mitos, que cantarolam convicções, mas todos entendem que não têm a sustentá-los uma única ideia mobilizadora, tal como nem sequer conseguem exprimir um sonho. Secaram. Perderam as raízes que os deveriam ligar às correntes profundas que dão sentido a um povo. Estagnaram na verborreia que os notabilizou como actores das jogatanas políticas intestinas dos congressos e dos conciliábulos partidários.


Uma teia de cordéis e cordelinhos bem complexa
Especialistas em jogos de bastidores e na política de "public relations" com o chamado quarto poder, especialmente com os investidores do capital e com os fabricantes das agendas mediáticas, não passam de papagaios de papel colorido que apenas permanecem enquanto durar o vento que os fez ascender ao horizonte da visibilidade e não se quebrarem os cordéis dos interesses que os manipulam.

Eis o nosso "pouvoir sur scènes" (Balandier), onde não sabemos quem, na verdade, são os efectivos "donos do poder" (Faoro), apesar de detectarmos essa floresta de intermediários mediáticos e de "intelectuários", desses que, parecendo pensar, apenas papagueiam as vulgatas do sistema que lhes dá vida.

Corremos o risco de nos tornarem num charco de gentalha, à beira-mar pendente. E dói viver assim, e aqui, quando sabemos demais e quando até já nos cansa o percorrer estes cordéis que sustentam o presente teatrinho de fantoches.


Um frágil sistema de comando com tiras e molas

Pensar é, para esses seres semoventes, entoar uma espécie de música celestial que só influenciaria os habitantes da utopia. Porque, aqui e agora, o dinheiro que compra o poder e a inteligência, o dinheiro que dobra as vontades, começa a tornar-se no valor predominante.

Logo, sou cada vez mais, um "anarquista conservador" ou um "libertário saudosista" que, não deseja conservar o que está, as redes desta "ditadura do status quo", dado que, segundo as regras do jogo vigentes, ganharão sempre o que dizem ser os árbitros. Por isso, fica a revolta, o desencanto dos que nem sequer acreditam na hipótese desse "fanatismo da abstracção" (Havel) a que deram o nome de revolução.