O Bloco Central dos intelectuários
O situacionismo vigente e triunfante precisa de fabricar com urgência os oposicionistas que lhe sejam convenientes. Precisa de arregimentar adequados bobos da Corte que lhe ladrem nas canelas, para que possa fingir-se a existência de pluralismo. Assim, não foi por acaso que o único líder da oposição citado nos discursos de Santana Lopes se chamou Francisco Louçã. Porque se o líder incontestado, o tal que apenas recebeu uma abstenção no Congresso, tivesse poderes para interferência na TVI, não tenho dúvidas que o brilhante professor de economia substituiria o brilhante catedrático de direito nas homílias dominicais. Os bloquistas irão assim ser promovidos como inimigos que não tiram votos ao PSD, mas apenas ao PS e ao PC. Da mesma maneira, os direitistas que mexam de forma oposicionista, por não quererem integrar a procissão da plataforma, serão inevitavelmente silenciados ou cilindrados pelos muitos cães a um osso, com fome de emprego e carreirismo. Não há moralidade, nem comem todos!
O poder estabelecido, em furiosa luta pela sobrevivência, tem de mexer na mesa pé de galo da opinião pública. Logo, não tardará que promova todos os rapazes, raparigos e raparigas disponíveis no Bloco Central dos intelectuários, e que nomeie, para directores-gerais, os últimos quadros do CDS-PP que ainda estão desempregados. Também alguns semanários não irão à falência e todos os respectivos colunistas terão lugar assegurado como os ladradores-mores do reino, para que a caravana possa passar incólume, sem adequadas mordidelas no tecido semovente. Porque sem aparentes colunas oposicionistas, o templo pedrista corre o risco de se desmoronar.
Pedro não quer domesticar a imprensa, à maneira do soarismo, e até nunca nomearia os seus escritores filiados para directores do "Diário de Notícias". Aliás, tipos como o Luís Delgado, com vocação para paginadores do regime, são dos tais que se usam para, depois, se deitarem fora, mesmo que a factura indemnizatória seja elevadíssima. Pedro é político de experiência perseguida e sofrida, conhece bem as regras obscuras e subsidiáveis do bloco central dos intelectuários, domina as curvas que permitem que as fundações se alisem, no toma-lá-dá-cá das negociatas da sobranceria pretensamente olímpica. Ele sabe como se calam a monas lisas desta terra de pretensos, sempre ávidos da eterna e etérea compinchice.
Já Salazar pegou num seu secretário e lhe deu a suprema dignidade de fonte de cunhas intelectuais, atirando-o para as azeredices e com livro editado pela universidade de Coimbra. Assim, outras esfíngicas criaturas, que se elevarem aos altares da inteligência nacional, serão eternamente silenciosas, até que a nomeação definitiva e vitalícia surta os adequados efeitos no "cursus honorum" da tachocracia.
Pedro sabe que a pátria dos pretensos pensadores se molda pela polidez do tacho, caso seja possível controlar a hierarquia imposta pelo "spoil system" dos irmãos-inimigos. Porque são cada vez mais estreitas as alternativas para os que persistem nas velhas manias daquele Portugal do "senão, não", daquele Portugal que gosta de conservar a espinha não torcida. Os portianos servidores, marcados pelo oportunismo neo-conservador, sabem que não custou muito abichar e como agora é gratificante decretinar, com motorista, secretária, cartão de crédito e telemóvel suportados pelo erário público. Pedro sabe como comprar e como é longa a fila dos que querem ser comprados. Aqui os registaremos.
Como é diferente o poder em Portugal!
Nem a frase sutil,
nem o duelo sangrento...
É o amor coração,
é o amor sofrimento.
Uma lágrima...Um beijo...
Uns sinos a tocar..
Um parzinho que ajoelha
e que vai casar.
Tão simples tudo!
Amor, que de rosas se inflora:
Em sendo triste canta,
em sendo alegre chora!
O amor simplicidade,
o amor delicadeza...
Ai, como sabe amar,
a gente portuguesa!
Tecer de sol um beijo, e,
desde tenra idade,
Ir nesse beijo unindo o amor
com a amizade,
Numa ternura casta
e numa estima sã,
Sem saber distinguir entre
a noiva e a irmã...
Fazer vibrar o amor em
cordas misteriosas,
Como se em comunhão se
entendessem as rosas,
Como se todo o amor fosse
um amor somente...
Ai, como é diferente!
Ai, como é diferente!"
(de Júlio Dantas, com a devida vénia)
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