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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.11.04

Ucrânia: cuidado com as ligeirezas russófobas!



Ucrânia. 603 700 km2 e 51 452 034; 74% de ucranianos, 22% de russos; 8% de muçulmanos. Agora está na moda, mas há uns anos, num livrinho que escrevi sobre "O Imperial-Comunismo", dediquei-lhe meia dúzia de parágrafos que agora transcrevo. Sem mais comentários.

Em 1667 foi partilhada entre a Rússia e a Polónia, enquanto a Ruténia ficava para os húngaros; no século XVIII, os cossacos aliam-se aos suecos para constituirem uma Ucrânia independente, projecto que falha a partir da derrota sueca em Poltava; em 1793 a parte polaca da Ucrânia passa para a Rússia que assim fica a dominar todo o território; independente em Novembro de 1917, passa logo em 1918 a sofrer sucessivas ocupações resultantes da guerra civil russa e da guerra russo-polaca; apesar de integrar a URSS, a República Socialista da Ucrânia é membro da ONU em 1945. Pelo tratado de Riga de 1921, parte da Ucrânia passou para a Polónia; esta zona foi ocupada por Estaline em 1939; em 1945, o território foi aumentado com a integração da Galícia, da Bessarábia e da Bucovina do Norte; em 1954 é integrada a Crimeia (25% de ucranianos e 67% de russos) A Ucrânia (Ukrayina), com a capital em Kiev, tem uma área de 603 700 km2 e uma população de 51 839 000, dos quais 74% são ucranianos, 22% russos e 8% muçulmanos. Contudo, há ucranianos espalhados pelas várias ex-repúblicas e regiões da URSS: 14,2% do total da população da Moldova, 6,3% do Birobidjão, 6,1% do Cazaquistão, 5,3% do Comi, 5% do Tadjiquistão, 3,2% da Carélia, 3,1% do Quirguizistão, 2,5% da Estónia, 2,4% da Bielo-Rússia, 1% do Turcomenistão.



Falando um pouco na história da Ucrânia, refira-se que pela Paz de Andrussovo, de 31 de Janeiro de 1667, a Ucrânia foi partilhada entre a Polónia e a Rússia, que ficou com a margem esquerda do Dniepre, onde dominavam os cossacos. Entretanto, a Ruténia subcarpática ficava sob a dominação dos húngaros. Os cossacos, gozando de inúmeras franquias, aliaram-se aos suecos, nos começos do século XVIII, procurando constituir uma Ucrânia reunificada e independente. Contudo, depois da derrota de Poltava, com Pedro o Grande, incia-se um período de compressão da autonomia cossaca, que atinge o seu auge, em 1775, com Catarina II. Pela partilha de 1793, a parte ucraniana integrada na Polónia passou para a Rússia que assim ficou a dominar todo o território.



No século XIX, a política de russificação levou mesmo Alexandre II, em 1876, a proibir o uso da língua ucraniana, considerada, a partir de então, como simples dialecto. Esmagava-se, deste modo, todo o processo romântico do nacionalismo ucraniano, desencadeado a partir da Universidade de Kharkov e da Sociedade Cirilo e Método, onde se destacou o historiador Nikolai Kostomarov. Por essa altura, foram publicadas em ucraniano as obras de Tarass Chevchenko (1814-1861) e Panteleimon Kulish (1819-1897).



Em Março de 1917 constituiu-se uma Rada ucraniana (um soviete), dirigida pelo historiador Mikhail Hruchevsky, a qual, no mês seguinte, se decide constituir em congresso ucraniano. A 13 de Junho de 1917 a Rada chega mesmo a publicar um decreto onde se proclama a República Ucraniana Autónoma não separada da Rússia, instituindo um secretariado geral, dirigido por Vinnitchenko. Só em 7/20 de Novembro de 1917 é que surgiu um Estado ucraniano independente, a chamada República Popular Ucraniana, passando o anterior secretário-geral à categoria de primeiro- ministro, mas mantendo-se as boas relações com Petrogrado, de tal maneira que, um mês depois, o governo ucraniano ainda solicitava fundos ao Banco Estadual russo. A ruptura entre Kiev e Petrogrado só se dá depois, quando o governo ucraniano, numa ocasião em que surgem os exércitos antibolcheviques do Don, comandados por Kornilov e Kaledine, decide mandar regressar as unidades militares ucranianas e não apoia o esforço de guerra dos soviéticos.



Em 4/17 de Dezembro de 1917, dois dias depois de Petrogrado ter concluído um primeiro armistício em Brest-Litovsk com as potências centrais, o que lhe permitiu aliviar a pressão militar no Ocidente e encarar com mais calma a questão ucraniana, já se reconhece a República Popular Ucraniana, embora se teçam críticas à política burguesa equívoca da mesma e se ameace com um estado de guerra aberta, caso a Rada continuasse o apoio aos exércitos antibolcheviques. A resposta ucraniana não tardou, com a negociação directa entre Kiev e uma missão militar francesa, onde os ucranianos pediam auxílio financeiro e técnico em troca da continuação do esforço de guerra ao lado dos aliados. O governo soviético russo, perante o desafio, preferiu fomentar uma secessão dentro da própria Ucrânia e não tardou em reconhecer como governo genuíno da República Popular da Ucrânia um comité central constituído pelos bolcheviques ucranianos em 11/24 de Dezembro de 1917, na cidade de Kharkov.

E em 26 de Janeiro/8 de Fevereiro de 1918 já exércitos soviéticos cercam Kiev, derrubando a Rada e instituindo um Governo Soviético Ucraniano. Acontece apenas que, a partir de Março de 1918, após o Acordo de Brest Litovsk, a Ucrânia ficou sob ocupação militar alemã até Dezembro de 1918, data em que readquiriu a independência com a oposição de polacos e russos, incluindo bolcheviques e antibolcheviques. Este Estado, aliás, não ocupava toda a zona da chamada Ucrânia etnográfica, dado não abranger as margens do Mar Negro, nem as zonas fronteiras ao Cáucaso.

Contudo, em 1918, durante a ocupação alemã, a Ucrânia vai expandir-se para a zona de Odessa e da Crimeia, base a partir da qual foi estabelecida a República Socialista Soviética da Ucrânia, sem a Crimeia e sem as zonas orientais fronteiras com o Cáucaso. Refira-se que a norte da Crimeia, o anarquista ucraniano Nestor Makhno, libertado em Fevereiro de 1917, organizou um exército de camponeses que ocupou largas fatias do Sul da Rússia, a chamada Confederação das Organizações Anarquistas (Nabat), vencendo austríacos (Setembro de 1918), independentistas ucranianos (Novembro de 1918) e antibolcheviques (em Setembro de 1919 e Junho de 1920). Acabou sendo derrotado pelos seus anteriores aliados bolchevistas, em Novembro de 1920, data em que fugiu para França.

Em Junho de 1920, os polacos ocupam Kiev e, com o fim da guerra russo-polaca, pelo tratado de Riga, de 18 de Março de 1921, a Ucrânia era dividida entre os dois Estados. Os soviéticos apostam então numa política de ucranização, com o estabelecimento do ucraniano como língua oficial, desde 1923, e, dentro desta linha, Estaline coloca Kaganovitch à frente do Partido Comunista da Ucrânia em 1925. Estaline Entretanto, o mesmo Estaline, a partir de 1930, trata de liquidar a elite ucraniana, por desvio nacionalista.

Em 1932, no auge da colectivização, chegou mesmo a requisitar as colheitas da Ucrânia, provocando uma terrível crise de fome, onde vão morrer cerca de três milhões de crianças. Este facto, denunciado por certos jornalistas ocidentais, foi, entretanto, considerado por importantes intelectuais como H. G. Wells e George Bernard Shaw mera invenção da imprensa anticomunista.

Em 1939, a URSS ocupou a parte ucraniana que estava integrada na Polónia, mas no Verão de 1941, toda a Ucrânia é invadida pelos nazis. Krushchov Com a reocupação soviética, Estaline coloca Krushchov como secretário-geral do Partido Comunista da Ucrânia.

Considerada Estado membro da ONU desde 1945, a República Socialista Soviética da Ucrânia viu crescer o seu território em 1945 com a integração da Galícia, da Bessarábia e da Bucovina do Norte e, em 1954, com a Crimeia. Crimeia A Crimeia, que fora república autónoma entre 18 de Outubro de 1921 e 25 de Junho de 1946, foi nesta data transformada por Estaline em simples região. O mesmo Estaline na noite de 17 para 18 de Maio de 1944 deportou para a Ásia Central toda a população tátara da então república, acusada de colaboracionismo com os alemães.

A Crimeia, constitui um grave problema nas relações da Ucrânia com a Rússia, dado que dos dois milhões de habitantes, 25% são ucranianos e 67% são russos, enquanto que apenas restam 100 000 tátaros.