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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.1.05

Eleições honestas? Salvo seja...



Jorge Sampaio, depois de tantas provocações, acabou por descer ao circo da campanha: não podemos satisfazer-nos com uma campanha eleitoral limitada ou demasiado concentrada em acontecimentos ou afirmações exclusivamente dirigidos a produzir efeitos mediáticos e a obter ganhos políticos fáceis. E que seria uma pena que perante os graves problemas que nos afectam, este período que por excelência deve ser um momento de confronto enérgico, mas sereno, de ideias, propostas e programas fosse mais uma vez desperdiçado em querelas e iniciativas meramente tácticas e eleitoralistas.

Perante tão avisadas palavras, propomos que o Chefe de Estado ajude os portugueses a conhecer com rigor e clareza os programas, as propostas e os objectivos dos diferentes partidos políticos que concorrem às legislativas de 20 de Fevereiro. Neste sentido, sugerimos que, em primeiro lugar, denuncie a flagrante falta de igualdade de oportunidades e, consequentemente, a impossibilidade de umas eleições free and fair, de acordo com o conceito onusiano de eleições. Porque, de outra forma, há quem tenha de pedir ajuda a fundações internacionais especialistas em viagens ao terceiro mundo...

Basta consultarmos um documento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre Direitos Humanos e Eleições para concluirmos como, aqui e agora, perdemos o sentido dos gestos e regredimos:

"87. A noção de livre escolha contém implicitamente o conceito de escolha informada. Como já vimos, para que sejam honestas, as eleições devem traduzir a vontade política do povo. Os eleitores não podem formular nem exprimir esta vontade sem terem acesso a informações sobre os candidatos, os partidos e o processo eleitoral. Os programas de informação bem organizados e imparciais destinados aos eleitores e a divulgação sem entraves da propaganda eleitoral constituem assim elementos essenciais para assegurar a realização de eleições honestas".

"91. O acesso aos meios de comunicação social deve ser igualmente garantido aos partidos políticos e aos candidatos, e ser repartido de forma equitativa, o que supõe não só a concessão de tempo de antena e de espaço nos jornais a todos os partidos e candidatos, mas igualmente de equidade a nível da colocação do texto ou do momento da sua difusão (isto é, a difusão deve dar-se a uma hora de grande audiência ou no fim do serão, ou a publicação deve fazer-se na primeira página ou numa página interior)".

"92. A utilização dos meios de comunicação social para a campanha eleitoral deve, por outro lado, ser responsável no que diz respeito às declarações difundidas, para que nenhum partido profira declarações falsas, difamatórias, racistas ou que constituam uma incitação à violência. Devem ser igualmente proibidas as promessas irrealistas ou menos sinceras, bem como as falsas esperanças mantidas por uma utilização parcial dos meios de comunicação social".

"120. As disposições que garantem um acesso equitativo aos meios de comunicação social por parte dos candidatos e dos partidos constituem um elemento importante da legislação eleitoral.Tal torna-se especialmente evidente nos casos em que os principais meios de informação são controlados pelo Estado. As disposições que regem os meios de informação devem prever garantias contra a censura política, contra a concessão de vantagens injustas ao governo e contra a desigualdade de acesso aos meios de comunicação social durante a campanha eleitoral.

"121. Um acesso equitativo aos meios de comunicação social supõe não só que existe uma igualdade ao nível do tempo e espaço atribuídos, mas também que seja prestada atenção aos horários de difusão (por exemplo, a difusão num horário de grande audiência ou ao fim da noite), bem como o destaque escolhido pelos jornais (por exemplo a publicação na primeira página ou numa página interior). Uma utilização equitativa dos meios de comunicação social pressupõe a responsabilidade de todas as pessoas e partidos que divulgam mensagens ou comunicam informações através dos meios de comunicação social (querendo isto dizer que estes devem divulgar informações verídicas, fazer prova de profissionalismo e abster-se de fazer promessas irrealistas e de suscitar falsas esperanças)".

"122. Um bom meio de assegurar uma difusão equitativa e responsável em período de eleições consiste em encarregar um órgão independente de supervisionar as emissões políticas, a difusão de programas de educação cívica e a atribuição de tempo de antena aos diferentes partidos políticos, bem como receber queixas relativas ao acesso aos meios de comunicação social, à equidade e à responsabilidade e dar-lhes seguimento. Esta função poderia ser assegurada por órgãos representativos de transição, pela administração eleitoral ou por uma comissão independente dos meios de comunicação social".

"123. A adopção de um código de conduta dos meios de comunicação social contribuiria para assegurar que a difusão e publicação de mensagens eleitorais é feita de forma responsável. Um tal método de regulamentação dos meios de informação (a saber, a auto-regulação) seria sem dúvida preferível à adopção de medidas legislativas ou administrativas, que correm o risco de suscitar a questão de uma censura ilegal e de limitar os direitos à liberdade de informação e expressão".