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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.1.05

O camarada Jerónimo, os burros e os ciganos



Estava eu a ler a história de Jerónimo, o grande chefe dos apaches de Pirescoxe, que foi um dos mais decididos opositores ao domínio das forças vivas do grande capital monopolista, quando descobri que, a certa altura, o mesmo líder terá dito, de Portas, que o mesmo está "com o olho no burro e outro no cigano", porque "se não vai com o PSD vai com o PS". Dando desconto não racista a esta tirada popularucha, criticando quem parece querer dar para os dois lados, ficámos sem saber se ele chamou burro ao colega da prometida coligação (Santana) e se qualificou como cigano o lado socialista, ou invertidamente. De qualquer maneira tratou-se de piada de mau gosto, típica da esquerda ortodoxa quando ensaia a ironia heterodoxa e a metáfora, até porque os burros autênticos, os da casta asinina, são uma espécie protegida e os nossos ciganos já não estão sujeitos à injusta capitis deminutio.



Aconselhamos o velho apache, frequentador da feira de Santa Iria, a consultar os manuais ecológicos dos seus companheiros melancias, bem como a ganhar a ligeireza literária do romance de Santiago Mata-Portas, o "Até sempre, camaradas", sobre o qual podem ler-se as seguintes palavras de outro camarada, Urbano Tavares Rodrigues: "a humanidade profunda na austeridade de quem entrega a sua vida à causa da libertação de um povo merece todo o fluir da narração, as reacções de muitas das figuras. Se é certo que o campo e os camponeses pobres e explorados, os pinhais de névoa, a desconfiança dos humildes, a bravura dos operários nas suas greves aqui aparecem, o tema central é a vida do Partido, as ligações, as casas de apoio, os contactos e precauções; por fim a prisão, a tortura, a morte. No presente um romance histórico, a diversos títulos: como obra de arte que é; como testemunho de alcance sociológico e político; como exercício moral (não confundir com moralizante, no estrito sentido apologético). Em resumo, um grande livro, inesperado e onde os sentimentos mais fortes e puros do homem encontram a simplicidade e o rigor transparente da expressão".



De qualquer maneira, confessamos a nossa simpatia por este aristocrata do operariado que, utilizando uma linguagem afectiva, consegue garantir a telúrica defesa do castiço antifascismo marxista-leninista, cuja liquidação seria um profundo golpe no nosso património cultural, dado que a estética trotskista e albanesa, ao ritmo do major Tomé e da Joana Amaral Dias, não nos parece tão enraizada naquele nosso neo-realismo à Soeiro Pereira Gomes e Alves Redol, mas que é capaz de assumir o vermelho do meu glorioso Sport Lisboa e Benfica, ao contrário de quem Nobre Guedes tão co-inceneradamente qualificou como o Malraux de São Julião da Berra.

O que seria de nós, portugueses, se substituíssemos o padre Cruz por São José Maria Escrivá e as festas do Avante pelos desfiles do "orgulho gay"? Os velhos apaches, as gentes do Couço e do Baleizão têm que estar atentas a outras espécies virais que, em vez daquela velha resistência das árvores morrerem de pé, preferem o transformismo e ameaçam reconstituir o movimento do prá-frente-petrogal, apoiando a quase anunciada recandidatura de Diogo Freitas do Amaral à presidência da assembleia-geral da CGD, como amanhã parece vir anunciado no "Diário Económico".