As ideologias passam, as culturas ficam
Um desses velhos senhores do pensamento português, catedrático na velha Universidade do Bairro Alto, donde aliás nos veio o Nobel português da literatura, também ele homem da velha esquerda minha adversária, mas que sempre soube conjugar o "telurismo oceânico" (Torga), com a fibra da honra e da inteligência, Baptista Bastos, dá hoje, na sua crónica habitual, um murro bem profundo neste teatro de fantoches em que se tornou a politiqueirice. E, muito simbolicamente, termina com um apelo ao esquecido Tomaz Figueiredo, esse grande autor das nossas letras, por acaso, adversário na ideologia, mas compatriota na raiva patriótica. Apenas digo que as ideologias passam, mas as culturas ficam.
Estamos, pois, reféns de um tipo simpático e de outro antipático. Por outro lado, Sócrates arrasta consigo o que de pior trouxe Guterres. Santana apresenta como trunfos aqueles que, no PSD, constituem o mais pungente arcaísmo, porque os melhores deles nada querem com este presuntivo poder. Nenhum deles corresponde a uma doutrina, a um pensamento, a uma estratégia.
Os problemas fulcrais da sociedade portuguesa radicam-se na educação, na cultura, no desenvolvimento económico, na formação profissional, e no entendimento de que a noção de classe operária está a sofrer aceleradas alterações de conteúdo.
Nenhum dos actores em palco abordou estas questões. Exactamente porque nenhum deles dispõe de capacidades necessárias para orientar o nosso futuro, para dar sentido ao nosso futuro.
Uma série de acontecimentos funestos, cuja responsabilidade cabe, por inteiro, aos partidos de poder, conduziu o País a esta situação deplorável. Uma choldra de oportunistas, intelectualmente débeis, politicamente matóides, assaltou as primeiras linhas e levou-nos a esta desagregação.
Estou a reler alguns livros de Tomaz de Figueiredo. Há muito que deixara de frequentar o grande autor de «Tiros de Espingarda», novelas, absolutamente fabulosas (em todos os sentidos), e sobre as quais, tempos remotos, eu falava com o meu velho companheiro de tudo, Fernando Lopes, na eventualidade de se fazer um filme. Voltei a Tomaz de Figueiredo levado por esse secreto impulso que sempre me impeliu a procurar Portugal nos textos dos nossos maiores, quando Portugal é atirado para o vórtice.
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