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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.1.05

Uma defesa antifreitista de Freitas do Amaral



O apelo de Freitas do Amaral, como "cidadão independente", visando "votar no PS" ("e dar-lhe uma maioria absoluta. Tudo o resto servirá apenas para prolongar a agonia de um país que merece melhor sorte") não me aquenta nem arrefenta. Nunca, até hoje, votei em listas partidárias e presidenciais lideradas pelo ilustre Professor e até nunca militei em organizações que ele dirigisse. Isto é, o professor nunca me traiu e eu sempre o critiquei acerbamente, anteontem e ontem. Hoje, faço uma corente defesa antifreitista do mesmo Freitas do Amaral.

Primeiro, porque os ex-freitistas do CDS já integram, desde o tempo de Guterres, e como parlamentares, o grupo "Humanismo e Democracia". Segundo, porque as posições públicas inequívocas do ilustre catedrático, por ocasião da Guerra do Iraque, foram um corte radical com as linhas estratégicas da actual coligação. O que agora se concretizou não passa de mera consequência das anteriores tomadas de posição. Resta saber se também já pediu a demissão do Partido Popular Europeu, o que não me parece, face ao pluralismo de posturas deste partido transnacional, onde é companheiro de Santana Lopes e de Portas.

A interpretação centrista que Freitas do Amaral fez da democracia-cristã coloca-o inevitavelmente na postura que assume. E concretiza a história de um alvará que se esconde por trás do nome "CDS/PP". Porque, da lista dos anteriores líderes do partido, poderemos enumerar os abandonos de Freitas do Amaral, o fundador do CDS; Francisco Lucas Pires, que integrou o PSD; e Manuel Monteiro, o fundador do PP. Dos anteriores líderes apenas resta o almoço de Adriano Moreira com Paulo Portas, no Grémio Literário.

Aliás, o actual líder é um cristão-novo no Largo do Caldas, dado que começou por ser tão militante da JSD quanto José Sócrates. É natural que se sinta particularmente incomodado, porque participou nas aventuras freitistas contra as direcções de Lucas Pires e Adriano Moreira, nos tempos do Prá Frente Portugal e da Fundação Século XXI, com a cobertura do "Semanário" e a liderança de Marcelo Rebelo de Sousa, em apoio do cavaquismo. Só depois se insurgiu contra o homem de Boliqueime, no semanário "O Independente".

A encenação de unidade histórica do CDS em torno de Portas reduz-se aos retratos dos líderes que dão moldura à escadaria do Largo do Caldas e a um ou outro corajoso sobrevivente, onde se destaca o Professor Doutor Narana Sinai Coissoró, que já foi freitista, pirista, adrianista, freitista mais uma vez e, finalmente, portista, numa assinalável coerência de quem faz da política um exercício de alta qualidade dialéctica, onde o prazer lúdico da palavra repentista sempre desvalorizou os princípios, em favor de um certo conceito de lealdade partidocrática. Por outras palavras, o CDS é cada vez mais a sabedoria desta personalidade ímpar na história da democracia portuguesa.