a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Certificado de inimputabilidade. Estou contra a direita a que chegámos e a esquerda que aí vem</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.1.05

Certificado de inimputabilidade. Estou contra a direita a que chegámos e a esquerda que aí vem



Para os devidos efeitos, declaro que entrei definitivamente na zona de crenças passíveis de imediato processo de inimputabilidade ministerialeira, especialmente num país que ameaça tornar-se no mais à esquerda da Europa, susceptível de ser gerido pela normalidade intelectual resultante da aliança de antigos marxistas-leninistas-estalinistas-maoístas com antigos marxistas-trotskistas-pintados-de-democratas.

Confesso que, não estando com a direita a que chegámos, também não caí na tentação de Diogo Freitas do Amaral, saudando a chegada da esquerda que aí vem, e esperando um elogio dos intelectuais orgânicos do novo regime de normalidade, marcada pela inteligência do Bloco de Esquerda. Também não elogio o Professor Veiga Simão, nem subscrevo as magníficas peças de retórica reformista de quem o Partido Socialista nomeou para dono das ideias de universidade e que o PSD e o CDS elevaram à categoria de monopolizador das reformas que, excitando-se com a retórica e a engenharia conceitual, mantêm o mais do mesmo.

Com efeito, como não apetece exilar-me e até assinei o livro de ponto simbólico do combate cívico, ao candidatar-me a deputado por um grupo a quem proíbem a participação nos debates, assim obtendo o certificado de resistência. Atingi, portanto, as raias do delírio, muito principalmente quando, à maneira de Manoel Oliveira, invoco o sebastianismo militante, desse que é insusceptível de tradução em calão pelos patriotorrecas. Saúdo, portanto, que tenham citado uma conferência que fiz em Outubro do ano 2000, no Instituto Francisco Sá Carneiro, quando o PS estava no poder e o Durão Barroso me convidou para por ele ser utilizado, até na fotografia do governo sombra.

Homenageando essa memória, aqui deixo três parcelas dessa conferência. Numa delas atacava a mentalidade Maio 68, dizendo: "há também que atender ao facto dos revolucionários frustrados do Maio 68, que assaltaram lugares universitários no tempo do PREC, quando as passagens administrativas e o privilégio do não concurso público se conjugaram com o saneamento selvagem dos mais qualificados, terem agora concluído o seu termo nos domínios do cursus honorum universitário, ocupando muitos deles lugares cimeiros na estrutura de certas universidades públicas. Ora, muitos deles não perderam o sentido inquisitorial e pidesco do animal de horda e continuam a ter como modelo o voyeurismo da delação".

Na segunda, enumero porque "Portugal está a terceiromundizar-se em termos de ensino superior e sobretudo em termos universitários. E à circunstância não são estranhos cinco preconceitos que continuam a enredar o ensino superior:

(1) A estupidez do regime de numerus clausus, face aos nossos principais concorrentes em matéria de liberdade de circulação de pessoas, nomeadamente a Espanha e a França. Especialmente a Espanha que, muito naturalmente, aproveita o nosso vazio de ideias no domínio de uma política defensiva para assumir um nítido expansionismo cultural. Vejam-se as crescentes cadidaturas de jovens portugueses ao ensino superior espanhol, a onda de doutorados espanhóis que já ocupa lugares do nosso ensino superior, privado e pública, ou a autêntica fábrica de títulos de mestrado e de doutoramento que, em regime de hipermercado e de venda por correspondência, ocorre em certas zonas do país vizinho, ao mesmo tempo que continuamos a impedir que alguns jovens masculinos, em crise de adolescência, sossobrem face ao regime de competitividade de gineceu que surge em certas zonas do ensino secundário, onde também continuam a chumbar de forma massificada jovens portugueses de origem africana.


(2) A estupidez do neocorporativismo de certas ordens profissionais, lançando uma política absurda de restrições quantitaivas que acabam por defender os medíocres instalados contra o mérito dos mais novos.


(3) A estupidez de um sindicalismo que dá cobertura à reivindicação dos incompetentes, onde se prefere a defesa de postos de vencimento sem produtividade, contra a da criação de novos postos de trabalho, num chauvinismo reaccionariamente gerontocrático.


(4) A estupidez da dupla formação profissional com a criação de centros para exames de mandarinato, quando, através de simples protocolos com as escolas superiores existentes se poderia melhorar a formação permanente ou estabelecer-se um programa integrado de creditação. Para não falarmos na ilusão do senhor dr. que impede o enraizamento do ensino politécnico.


(5) A estupidez de um modelo napoleónico de normaliens segundo o ritmo do Mai 68. Andamos a formar professores para que estes tratem de formar novos professores num ciclo de sucessivas intelligentzias que nunca sabem o que é a vida. Há cada vez mais professores de história, mais professores de filosofia, mais professores de literatura e mais professores de semiologia e cada vez menos historiadores, filósofos, literatos e de comunicadores. Como se muitas das actividades profisisonais não nascessem desse pequeno grande nada que é a vocação, desse pequeno grande nada que é a vontade. Como se não pudesse haver self made men, e portadores dessa centelha de génio que é a inspiração.


Na terceira, deixo as conclusões metapolíticas dessa conferência:

"1ºA principal riqueza de qualquer país está nas pessoas que constituem. A principal riqueza de Portugal está nos portugueses.


2ºCada português é um homem concreto que dentro de si deve descobrir e conquistar o homem completo. A função da educação é a de ajudar o homem a libertar-se da servidão. Portanto, ai da educação que vegete na mediocracia; que, desculpando-se com a quantidade, trate de diminuir a qualidade; que sob o pretexto da massificação, ponha o superior ao serviço do inferior; o transcendente ao serviço do rasteiro; seja o homem ao serviço de uma abstracção; seja a sabedoria ao serviço da técnica.


3ºSó pode ser autêntica uma educação que siga o lema pessoano do "tudo pela humanidade, nada contra a nação". Dito de outra forma: só pode ser autêntica uma educação que atinja o universal através da diferença e que não esvazie o homem de história; que o não desenraize do chão físico da sua ecologia e do chão moral da sua história. Só podem ser iguais os que são dignos.


4º A escola não deve ser uma fábrica de saber fazer ou um mero centro de formação de postos de vencimento; a escola pode e deve ser tudo isso se antes for uma escola de cidadãos e um centro de comunicação de valores; isto é, deve ser uma instituição, onde os métodos estejam ao serviço dos fins.


5º Portugal empobrecerá, envelhecerá e injustiçar-se-á se, a nível do sistema de ensino, não se puserem os meios ao serviço dos fins; isto é, a escola ao serviço do homem; a técnica ao serviço da sabedoria; a organização ao serviço de uma ideia de escola".