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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.3.05

As direitinhas, os vira-casacões e os adesivitos



Um dos dramas das chamadas direitas a que chegámos está, menos nos adversários que tão intensamente as marginalizam, perseguem e diabolizam, quanto na maneira como, no interior de cada capelinha, se não conciliam pluralidades, acabando por tornar-se dominante a teoria conspiratória dos anedóticos reaccionários, sempre acossados pela heterodoxia daqueles companheiros que não gostam de deixar de ter alcunha. Com efeito, os chamados adeptos da direita pura e sem alcunha, os que pensam que por se ter um bom argumento é preciso berrar, raramente reparam que as chamadas "causas" da direita da linha justa são as exactíssimas causas que a esquerda pôs no trombone daqueles pretensos líderes de direita inventados pela mesma esquerda. E quando estes precisos líderes se dedicam ao enrodilhamento pelo "agenda setting", acabam por viciar-se no falso protagonismo das notícias que as agências de recortes lhe remetem empacotadas.



É curioso verificarmos como grande parte dos editoriais, comentários e artigos de opiniãosobre a refundação da direita, que têm vindo a ser editados pelo nosso pretenso quarto poder desde o dia 20 de Fevereiro, são quase todos da autoria de políticos frustrados provenientes da extrema-esquerda, ou esquerda revolucionária, agora feitos endireitas de encomendas. Desses que viraram moderadamente à direita com a idade, mas que, assumindo-se da direita-menos por aquilo a que chamam cabeça, ou razão, com muitas citações em língua exógena de óptimos autores longe das nossas circunstâncias do presente e das raízes do futuro, acabam por confessar que continuam com o coração à esquerda, em nome do que entendem por racionalidade afectiva. Por outras palavras, esses fabricantes mediáticos continuam a considerar que um bom líder de direita tem que ser alguém que assuma o exacto contrário das chamadas causas de esquerda que os ditos cujos ainda conservam.



Foram eles que, reinventando e refundando o CDS, apoiaram a ascensão de Monteiro e de Portas. São eles que, no mesmo CDS e nas suas sombras, elaboram listas de candidatáveis que vão fazendo passear pela "passerelle" das respectivas exposições de modas. Também no PSD, foram eles que deram gaseificação a Durão e a Santana e que agora vão dando graxa a "gandas nóias", sempre segundo o critério notável da visibilidade mediática, nesta eterna procissão da direita que convém à esquerda, onde há sempre um qualquer princípio de um Pedro que eles arvoram em passadores de certificados antimiguelistas ou antifascistas.



Essa direita que convém à esquerda, educada pelos editoriais de José Manuel Fernandes, pelos comentários de política internacional de Teresa de Sousa, pelas breviárias leituras de João Carlos Espada, pelas historiografices de recentes deputados cujo nome nem me lembra, espera ansiosa que os "talk shows" da Endemol e do José Eduardo Moniz nos permitam a redescoberta de novos-velhos vendedores da banha da cobra e de novos "maîtres à penser".



As direitas que se cuidem. Quando gerações e gerações de activistas direitinhos tiveram como imagem mobilizadora a geometrice de um douto professor que agora se assumiu como o supremo "vira-casacas" da república, podem cair na tentação de se iludirem com outro supremo senador que atingiu as culminâncias de máximo adesivo do império defunto. Não há direitas que resistam a esses ilustríssimos exemplos de oportunismo, desses que, sucessivamente, saudaram os adversários, para exigirem aos respectivos fiéis a obediência acrítica do seguidismo.



As direitinhas feitas à imagem e semelhança desses dois colossos parece que, agora, agradecem o terem sentido em carne viva o ferrete de tais excelsos especialistas em mudança de campo valorativo. Assim, há que considerar um elogio o facto de um desses exemplares zoológicos da nossa decadência ter denunciado que possuímos coluna vertebral, alcunhando-nos de traidor. Julgo que tal desespero vocabular, vindo de quem foi considerado, por um grande nome da nossa história, como o filósofo da traição, é revelador dos meandros trágicos das direitices liderantes.



Julgo que estes dois seres, entre o vira-casacas e o adesivo, serão, amanhã, considerados pela história como simples notas de pé-de-página das transições políticas, merecendo até menos destaque do que um qualquer makavenko, como foi o ferreira-do-amaral da acalmação, ou do que um qualquer alpoim-zé-maria. Todos integrarão aquela galeria de retratos dos que nunca puderam engendrar qualquer corrente de pensamento, apelo às ideias com emoção ou outros sinais típicos dos que da lei da morte se libertam.



Eles também sabem do espaço curto de tempo em que continuarão a ser citados nos telegramas das agências noticiosas. A verbosidade com que os impotentes da história costumam disfarçar a respectiva dimensão de ninharia persistirá nos recantos da paginação dos jornais que não têm notícias, mas não tardará que se se perca, para sempre, no caixote de lixo da verdadeira história. Quando a enxurrada do tempo longo puder distinguir o essencial do acessório e se puder dizer que, a três anos da comemoração do regícidio, continuam a enxofrar-nos os buicidentes intelectuais, sempre à espera que o novo regime transforme em senadores os velhos pares do reino e que os recondecore como supremos comendadores de uma qualquer lataria, típica das academias da chanfana e das comunidades portuguesas espalhadas pelos arredores do mundo.