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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.3.05

O regresso dos Medici, com Borgia nos meandros



Muitos dos nossos politiqueiros e intelectuários, apostados na caça ao financiamento partidário e ao subsídio, têm dado à fauna banqueiral que nos domina suficientes pretextos para que a mesma continue a considerar que os poderes político e cultural são subordinados hierárquicos do poder económico-financeiro. Assim se gerou aquela casta banco-burocrática que leva alguns poderes fácticos a assumirem-se como os donos deste Portugal que resta, nomeadamente quando sugerem ministros e directores-gerais que a mesma nebulosa elevou anteriormente à categoria de serviçal ou de jagunço, enquanto certos discursos bem intencionados contribuem para o conceito de corrupção seja limitado aos pequenos autarcas ou aos grandes dirigentes do futebol, num evidente racismo social dos que salvaguardam as mãos limpas das cidades, atirando toda a porcaria para o lado dos parolos que ainda vivem no deserto das serras.

Há, em primeiro lugar, que denunciar o ambiente de sórdida pedinchice com que muitos têm confundido o chamado financiamento partidário e que tem contribuído para que o povo deixasse de ser a efectiva fonte da soberania. Compreende-se assim que alguns não-comunistas de sempre e certos anticomunistas para sempre comecem a ter saudades de um partido comunista minimamente forte, capaz de amedrontar esta paz de cemitérios chamada concertação social, feita de hipócritas equilibrismos que não denunciam a presente podridão plutocrática, assente no domínio de um clube de velhos e novos ricos, os quais continuam a considerar os que trabalham como os causadores da falta de competitividade e de produtividade.

Apenas se esquecem que quem efectivamente trabalha é que paga os impostos que sustentam os cobradores de comissões e os intermediários do esforço dos outros, esses gestores de bens alheios que controlam essa terra de silêncios e segredos, onde campeiam os privilégios e as isenções, só porque o fogo de artifício do politiqueirismo e a pouca-vergonha da demagogia nos continuam a algemar. Não apetece contribuir para a continuação de tal enriquecimento sem causa.



Paradoxalmente, a casta dos donos do poder pouco se incomoda que sejamos o país mais à esquerda da Europa e até vê com bons olhos o crescimento do partido que inventou o "slogan" dos "ricos que paguem a crise". O "discurso da tanga" até favorece os que, através das hipócritas campanhas da caridadezinha mediática, tratam de encobrir o essencial: aqui e agora, são os chamados "remediadados" da classe média baixa que continuam a ser sugados pela canalha dourada que se disfarça em benzeduras bancárias.

Começo a sentir raiva perante os que, cobertos pela democracia formal, usurpam o sagrado da própria democracia, especialmente quando eles se escondem atrás desse bailado de patranhas ideológicas, cujo verniz nominal continua a ocultar a unhas aduncas dos clássicos vigaristas. É que estes conseguem sempre mobilizar uma legião de escribas jagunçais, a quem os mesmos unheiros pedem que lancem adjectivações inquisitoriais para que sejam fulminados os mal-amados pela estirpe. Eles, os donos do poder, que podem aparecer nas televisões chorando pelos mandaram morrer, até são capazes de uma qualquer generosa oferta de um caixote de cobertores a esses sem-abrigo que estão literalmente a morrer de frio neste país que a respectiva ética construiu. O discurso da enlatada tecnocracia não rima com justiça, verdade e coragem.

Se esta canalha continuar a arvorar-se em controladora dos armazéns de valores da chamada direita, juro que não participarei nas procissões de candidatos presidenciais dos que se apresentarem vitoriosamente apoiados tanto pelos pretensos banqueiros de Deus como pelos supremos teólogos dos magnos conventos que os ditos subsidiarem. Não quero que o tempo possa voltar atrás sem uma pinga de espírito livre. Mesmo que os tempos de antena tragam poemas patrioteiros, sessões do "perdoa-me" ou eventuais elogios a anteriores inimigos que com eles convivem como curadores do tacho.

Eliminar a doença que todos, hoje, dignosticamos na tal direita, pelo recurso à matriz que difundiu a virose, é seguirmos uma táctica imposta pela estratégia derrotista, por mais que os revanchistas digam o contrário.