a Sobre o tempo que passa: Os delírios da personalização do poder

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.4.05

Os delírios da personalização do poder



As semelhanças entre Alberto João e Silvio Berlusconi resultam de ambos serem um excelente exemplo da democrática personalização do poder, embora o primeiro tenha continuado a vencer eleições e o segundo esteja a digerir uma recente derrota nas regionais. Quando um deles diz: "não se livrarão facilmente de mim", outro replica que "quem vai decidir o momento de eu sair sou eu ou povo madeirense. Eu não deixo aquela gente (do continente) decidir sobre o futuro da Madeira".



Sobre o caso italiano, as agências noticiosas, pouco isentas, quando dizem que os democratas-cristão saíram do governo de Roma, não explicitam que estes democratas-cristãos são os do militante da "Comunhão e Libertação", Rocco Buttiglione. E também não referem que outro partido da coligação está de malas aviadas: nada mais, nada menos do que o "Novo Partido Socialista Italiano". Porque em Itália havia socialistas aliados governamentalmente aos pós-fascistas, enquanto na Madeira é tudo social-democrata, tendo como diabos oposicionistas os socialistas democráticos.

Quando as notícias são apenas conclusões que já estão previamente escritas, de nada valem os preâmbulos históricos da verdade e, muito menos, as premisssas, não vá o diabo da realidade tecê-las. Quando se é missionário da "agit-prop", não há factos, mas apenas interpretação dos factos. Quando os grupos, movimentos políticos ou partidos viram à direita ou à esquerda apenas para se fulanizarem, sem deixarem, nos mecanismos internos, qualquer tipo de pluralidade e eliminando as resistências dos contrapoderes, eles correm o risco de nem sequer repararem nos dejectos não recicláveis que outras entidades para aí possam emitir. Por outras palavras, a personalização do poder, mesmo a nível das paróquias, leva a que tais grupos, movimentos ou partidos, se transformem em comissões de candidatura do sol que os conduz, e apenas virarão para onde os conduzir os caprichos da eficácia. Empanturrados pelo tacticismo, perdem estratégia, durando até que sejam apanhados por uma qualquer lei dos dinossauros.



Muito semelhante é a posição de certos intelectuais lusitanos que, de antigos incendiários do PREC, viraram circunspectos bombeiros dos fogos que ajudaram a atear, graças às avenças que antigos companheiros, feitos conservadoríssimos ministros de governos do extremo-centro, lhes vão prodigalizando, só porque assumem a imagem de reformadores oficiosos das golpadas revolucionárias que introduziram no sistema. Entre eles e os oligopólios da advocacia, subsidiados pela mesma fonte, venha o Sílvio ou o Alberto João e escolham. Os patinhas não são patetas.