Não há "glasnot" feita por "bonzos", nem "perestroika" com "nomenclaturas"
Abro as notícias dos jornais pela manhã, e misturando um olhar macro, da floresta política, com o micro, das pequenas folhas de árvore dos jornais locais e regionais, reparo que os poucos moradores da localidade de Pego, onde nasceu D. José Policarpo, e de aldeias vizinhas, estão divididos entre a alegria de ver um conterrâneo suceder a João Paulo II e da sua companhia, de que desfrutam nas suas frequentes visitas. Noto também que a Polícia Judiciária (PJ) de Leiria realizou quinta-feira buscas na sede da Concelhia do PSD, devido a suspeitas de fraude nas últimas eleições para aquele órgão, disse fonte partidária. E sinto particularmente a lembrança da câmara municipal de Condeixa-a-Nova, porque na passagem do 86.º aniversário do nascimento de Fernando Namora, o escritor vai ser recordado na terra onde nasceu e viveu a sua infância.
Já a nível das grandes questões sobre as nossas pequenas misérias, reparo que Paulo Sá e Cunha e Ricardo Sá Fernandes, advogados de Manuel Abrantes e Carlos Cruz, avisaram ontem a juíza Ana Peres que vão querer que Catalina Pestana diga em Tribunal os nomes de todas as pessoas que lhe foram relatados pelas vítimas da pedofilia – com quem manteve conversas – que estejam relacionados com o abuso sexual de alunos e ex-alunos da Casa Pia. Já, na granda aldeia daquilo que foi a capital do império, se refere que, depois do clima de tensão vivido na Câmara de Lisboa (CML) e um jantar de apoio que contou com apenas três das nove secções do concelho, Santana Lopes parece ter mudado de estratégia. Excluiu-se de uma disputa contra Carmona Rodrigues numa candidatura à capital e colocou a decisão final nas mãos do líder do partido, Marques Mendes. Já intemporal é a circunstância de o Trio Odemira celebrar este ano 50 anos de carreira com a edição de um novo álbum, "Portugal latino", onde interpreta temas portugueses e latino-americanos, na linha que sempre marcou este grupo.
Sou chamado a analisar, na TSF, o problema da limitação dos mandatos, e concluo que todos os regimes se gastam pelo uso e se prostituem pelo abuso, isto é, degeneram, tanto pela erosão do tempo como pelo abuso do poder. As democracias, onde mandam todos para o bem de todos, podem passar a oligarquias, isto é, onde mandam poucos, para o bem deles próprios, onde os poucos da minoria mandante não são os melhores, mas os mais ricos, para que, finalmente, chegue o poder de um só.
Eis um dos princípios clássicos da política, já descritos por Platão e por Aristóteles há vinte e cinco séculos e que, tão ingenuamente, tem enredado o nosso regime. Porque muitos não reparam que já lá vão cerca de trinta anos, que já estamos a dez do recorde atingido pela salazarquia, e com o dobro do tempo da I República.
Se fizéssemos a comparação com o salazarismo, veríamos que trinta anos depois da subida ao poder de Salazar, tinha-se chegado ao ano de 1958, quando a oposição conseguiu driblar o Estado Novo ao candidatar o general Humberto Delgado, um antigo entusiasta do salazarismo que baralhou de tal maneira o regime que este temeu o chamado golpe de Estado constitucional e teve que acabar com o modelo de eleição do presidente da república por sufrágio universal e directo, uma das marcas que dava alguma legitimidade plebiscitária ao autoritarismo.
Trinta anos de vida política dentro do mesmo estilo produziram, naturalmente, inevitáveis micro-autoritarismos em vários segmentos da gestão democrática, em autarquias, regiões autónomas, secções locais, concelhias e distritais de partidos, escolas e outras zonas ditas de gestão democrática, onde as eleições deixaram de ser justas, livres e competitivas, porque acabaram as condições de igualdade de oportunidades, dado que os que escolhem podem ser os escolhidos pelo mandador vigente, especialmente quando os colégios eleitorais são restritos a uma elite que não é a dos melhores, mas a dos seleccionados. Não falta até o recurso à inscrição multitudinária do "Lumpenproletariat" nalguns partidos de direita, em troca da oferta de uma casa camarária e com a militância destacada dos comes e bebes, com autocarros para comícios e muitas palmas "à santinha da nossa senhora drª".
Se querem efectiva limitação de mandatos, comecem por limitá-los no interior dos vossos próprios partidos, nas vossas secções que escolhem ou condicionam os deputados, os autarcas, os líderes distritais e nacionais. Porque é, de facto, caricato que sejam os "bonzos" produzidos por estas águas chocas que agora clamam pela transparência ("glasnot") e pela reestruturação ("perestroika"). Quando os nossos máximos dirigentes políticos são os sargentos verbeteiros da nomenclatura, os jovens escolhidos pelos dinossauros para que tudo fique como dantes, sem o quartel-general em Abrantes, vale mais continuarmos a ler as pequenas notícias dos grandes jornais regionais e locais que não precisam de assinatura para a eles acedermos na Internet.
A proposta de reforma em causa é, afinal, uma declaração oficial de degenerescência do regime, onde a democracia não tem gerado a necessária meritocracia, marcada que está pelo clientelismo, pelo nepotismo, pelo amiguismo e pelo "salve-se quem puder", onde, muito pulhiticamente, mandam mais os fiéis de certos pretensos carismáticos e os muitos dependentes do actual neofeudalismo, marcado pela gestão científica da velha "cunha".
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