a Sobre o tempo que passa: O princípio da limitação dos mandatos e as paródias gerontocráticas do micro-autoritarismo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

14.4.05

O princípio da limitação dos mandatos e as paródias gerontocráticas do micro-autoritarismo



Quando assisto ao hipócrita debate sobre a limitação de mandatos dos cargos políticos, onde os deputados limitam os outros, tal como vão limitando acumulações, sempre com leis que a eles não aplicam, vou concordando com os efeitos da tal erosão do tempo e da tal degenerescência das instituições, onde os sacristães vão perdendo o sentido dos gestos e apenas resiste a lei do poder pelo poder. O efeito é universal e eu até conheço as consequências da coisa em certas escolas universitárias que, pouco a pouco, ameaçam transformar-se no desprazer das repartições públicas gestoras dos comes e bebes e das fotocópias, onde vai desaparecendo a ideia de obra, onde não se cumprem as regras de processo, e onde se baniram as próprias manifestações de comunhão entre os membros do grupo.

Conheço algumas onde certos ilustres gestores, da chamada gestão democrática da escolas, estão no poder há mais de um quarto de século, dado que conseguiram implantar uma espécie de micro-autoritarismo, colocando como dependentes mais de metade dos membros do corpo docente, entre assistentes próprios e dos fiéis, especialmente quando mantiveram, em mais de oitenta por cento, o regime dos professores convidados e onde, para cúmulo, se vão parodiando actos eleitorais. E se tais escolas fossem do ensino superior privado, eles até poderiam manter-se para além dos setenta anos, com certas esperanças de chegarem aos noventa, para que, depois do galismo sem galo, chegasse o franguismo sem frango e, finalmente, o pintainhismo sem pintainho.

Não tardará que a degenerescência atinja o nível da pouca vergonha. Já vimos alegados plagiadores saírem do ensino público, por isso mesmo, para, depois, atingirem o doutoramento numa privada, e, ainda há dias, me noticiaram que outro desses seres, onde eu detectei um plágio de quase uma centena de páginas, está prestes a doutorar-se num desses cursos fáceis de certas universidades dependentes do Estado espanhol. Desses que fazem parte da tal magnífica legião de "doctorales" de exportação que os espanhóis continuam a fabricar para nos colonizarem, dado que grande parte deles não conseguiria penetrar no grau mais baixo do "cursus honorum" da carreira de "nuestros hermanos", onde vigoram os concursos nacionais. Só que o nosso provincianismo fica embasbacado e não chama os bois pelos nomes.



Aliás, por cá, alguns vão também ascendendo pela troca de favores que prestaram, quando exerceram cargos políticos, nessa estúpida confusão entre o saber e o poder a que, agora, tem acrescido a desleixada política de imagem que invadiu as cabecinhas de algumas das nossas ilustres reitorices lusitanas, encantadas perante certas entidades manipuladoras dos subsídios. O que não é de estranhar porque se algumas candidaturas a presidente da república até estão dependentes do cheque financiador. Logo, por maioria de razão, acabam por poder ir na enxurrada os carimbos de certas académicas honrarias dadas pelas nossas mui republicanas comendadorices.

O saber e a representação política correm o risco de virar um espaço manipulável e subsidiável, gerando-se uma degenerescência nominativa, onde se prefere a segurança da encomendação e onde os fiéis da cunha e do temor reverencial vão corrompendo um território que deveria valorizar o mérito e a excelência. Assim, quando a universidade se pulhitiza e ameaça ficar dependente do financiamento do nosso corporativismo patronal, bem como das zonas de propaganda mediática que o mesmo controla, pode acontecer que fique doentiamente condicionada a liberdade de expressão do pensamento e a própria criatividade nacional.

A pretensa classe alta que há séculos nos castifica, temendo que a meritocracia possa elevar estratos sociais de origem popular às zonas onde, até agora, funcionava a igualdade de oportunidades, como eram os mundos da escrita jornalística e da docência universitária, descobriu que podia ferir de morte esse princípio. Deste modo, utilizando o cavalinho de Tróia do mecenato, dos subsídios e da avaliação, está prestes a transformar tal zona em mais um dos seus satélites.

Quando aquele que tem posses e possibilidade de longas férias flexíveis consegue inscrever-se e pagar as propinas num desses mestrados e doutoramentos obtidos em regime de quase correspondência, em universidades-empresas de certos países vizinhos, até lixo não reciclável consegue virar professor doutor. Mas a entidade que fornece a titulação, à custa de numerário, apenas o faz para o exportar e gerar a colonização cultural do parceiro. E se os resistentes pela qualidade e pelo mérito protestam, logo surge a barragem de fogo dos instalados eméritos, jubilados e reformados, que precisam desses feudalizados para que tudo seja avaliado por outros eméritos, jubilados e reformados, num jogo de salamaleques, cunhas e júris pactados e compactados, onde quem mais ordena é a feira das vaidades.