a Sobre o tempo que passa: Um intervalo de silêncio, aqui e agora

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.4.05

Um intervalo de silêncio, aqui e agora



Perdoem-me, fiéis leitores, mas hoje não apetece mesmo esse blogar das coisas políticas e sociais. Aliás, hoje, nem sequer posso dizer do muito que escrevi, dessas raízes de palavras que me desnudaram e que nem aos blogues confesso. Porque, às vezes, a escrita é intimista demais, para que outros a possam peregrinar. Especialmente quando escrevemos dessas palavras que só podem ser escritas quando estamos sozinhos em casa e assim podemos cumprir os tais necessários intervalos de íntimo silêncio, desligando o computador, as imagens e os sons. Escrevendo sem porquê, para que, palavra a palavra, nos libertemos, das angústias aos sonhos, dos medos à esperança, respirando todo o espaço dessa mais profunda liberdade que é procurarmos olhar por dentro de quem na verdade somos, nesse sonharmos e pensarmos, aqui e agora, sem termos ninguém à beira e até sem ousarmos confessar por escrito aquilo que o corropio das palavras nos suscitou.



É este o segredo daqueles silêncios cheios de força, onde a solidão pode ser o estarmos com os outros dentro de nós. Desses momentos que, quase sempre, me acontecem quando o sol me cerca e me penetra, fazendo com que todos os dias passados se condensem na memória viva. É então que, fingindo parar o tempo, acabo por viajar ainda mais, por todas as viagens que fiz e não fiz. Por tudo isto é que o meu blogar de hoje vai ficar assim na margem de mim mesmo, especialmente num dia em que, não fazendo nada daquilo que são as coisas que tenho que fazer, acabei por fazer o muito de me dar ao imprevisto, sem ceder a essas escritas despersonalizadas dos compromissos externos que, de vez em quando, me algemam.



Diante deste sol que, em roldão me vai vai varrendo, até apetece questionar se vale a pena as muitas palavras em que hoje se perdeu este escrever-me. Se fez algum sentido assim me ensimesmar, peregrinando a simplicidade daquelas angústias que todos sentem. Porque, mesmo quando nos escrevemos, não conseguimos dizer tudo, porque, até para nós mesmos, não ousamos confessar os meandros mais temerosos que nos dispersam. Há sempre coisas que não nomeamos, sonhos que não dizemos, pequenos passos que não descrevemos. É sempre este tempo que vai passando por mim dentro, à minha beira, este repensar o movimento. Continuemos.