a Sobre o tempo que passa: Algumas notas para uso do sim através do não...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.6.05

Algumas notas para uso do sim através do não...



1
O projecto de tratado pretensamente constitucional, que por aí se referenda, reflecte os erros típicos de certos arquitectos do politiqueirismo planeamentista e construtivista, esse que tenta fabricar códigos-pudim, muito pretensamente "SSS", isto é, "sintéticos, sistemáticos e scientíficos", onde cento e cinco eleitos pensam conseguir uma racionalização acabada e definitiva de um conjunto de regras que ousam eternizar para os "amanhãs que cantam".

2
Esquecem que nunca as grandes conquistas da humanidade se reduziram a essa mania dos que pensam ter contactos imediatos de primeiro grau com o espírito santo, como se a pomba do dito não fosse mais democrática e não andasse em voo livre, longe dos circuitos fechados dos que julgam deter o monopólio da inteligência.

3
Interessam menos as legalices e as codificacionices e mais os princípios gerais que dão alma às leis, as tais regras da conduta justa que recolhem os eternos princípios das leis que estão escritas nos corações dos homens.

4
Quando alguns positivistas velhos e relhos confundem a arquitectura das regras de organização com o direito da razão, resta a gargalhada.



5
Acresce que o tratado também deve ser rejeitado por razões de estética institucional. Os codificionistas têm a mania dos "terreiros do paço" pombalinos, com muitas arcadas e o pormenor dos nichos sem estátuas, com que pretendem normalizar a criatividade dos artistas futuros. Eu prefiro a evolução espontânea das Alfamas, das cidades feitas pelos pedreiros e pelos sonhos dos construtores de casas, feitas à imagem e semelhança dos homens comuns que nelas investem.

6
A Europa dos arcos do triunfo é como as estátuas com pés de barro. Afundam-se na primeira curva de um qualquer referendo.


7
Continuo a preferir a Europa multidimensional, da pluralidade de pertenças, onde possa misturar-se federalismo e nacionalismo, localismo e globalismo.

8
A razão e a vontade não são as duas únicas potências da alma. Há que encimá-las com a imaginação e o simbólico. E há que dar espaço de sonho às asas da razão axiológica, da criatividade e até do excêntrico.

9
Alguns dos tecnocratas do directório eurocrático, esses herdeiros da federação dos impérios frustrados que por aí andavam, entoando a música celestial da inevitabilidade, contra os pretensos europeístas do costume, deram com os burrinhos na água. E nem o cardeal lhes valeu. Mesmo com o apoio de senadores como os dois que, para compensarem a não entrada da Turquia, propuseram a de Cabo Verde, sem ouvirem o povo de Cabo Verde.

10
Não continuem a reduzir a multidimensionalidade do "não" aos ditames dessa espécie de neo-dogmatismo antidogmático dos que queriam fazer da Europa uma segunda edição revista e acrescentada do catecismo da "Organização Política e Administrativa da Nação" de má memória, segundo o ritmo do decálogo do Estado velho. Abaixo a razão de Estado. Mesmo que seja a do Euro-Estado. Não deitemos pela janela o soberanismos dos Estadinhos para nos entre pelo sótão o soberanismo do Estadão.

(apontamentos que acabei por não usar, mas que me acompanharam durante a gravação do programa da TSF, "Directo ao Assunto", de Carlos Pinto Coelho, onde participarei, ao lado de Daniel Oliveira, Paulo Pitta e Cunha e Alfredo Barroso, a ser transmitido no próximo domingo, a partir da onze da manhã...)