a Sobre o tempo que passa: Em Portugal o sol nunca nasceu para todos e a culpa não é do sol. Recebido de Teresa Cabral Ribeiro

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.6.05

Em Portugal o sol nunca nasceu para todos e a culpa não é do sol. Recebido de Teresa Cabral Ribeiro



Não há palavras para qualificar os indizíveis horrendos do sofrimento da maioria dos elementos desta sociedade e a culpa também não é das palavras mas sim da realidade criada pelas pessoas que conseguiram ser bem piores do que qualquer mente por perversa que fosse pudesse algum dia imaginar

Não há guerras nem sequer guerras de classes sociais o que existe são as realidades asquerosas criadas pelas pessoas

Há injustiça da mais grassa que alguma vez se pudesse conceber no sec. XXI e ela é o produto do modo de agir fora e dentro dos tribunais em cada porta em cada local de trabalho em cada banco de jardim em cada paixão

Em Portugal há uma crise económica tão forte que quase ninguém consegue poupar um tostão porque todos juntos não dão para acabar o mês

Em Portugal não há solidariedade apenas o rumo sem regra mas sempre directo ao umbigo de cada um

Em Portugal todas as pessoas honestas são perseguidas como pontos negros e tratadas de preferência como fazendo parte de uma classe média que asfixia lenta e penosamente no sustentar dos que dela retiram o sangue

Em Portugal esconde-se e aniquila-se o mérito alheio não vá colocar em causa quem o não tem ao menos na dose que o afirma ter

Em Portugal cruzam-se os sinais onde não há evidência de mundo e nele de vida

Em Portugal fez-se da democracia um concurso de sugadores contra o provir daquela que já era a difícil condição humana

Em Portugal até Deus é um ponto móvel ou amovível consoante o desejo de cada pessoa de na maior torpeza se “safar” por si deixando aos outros o respirar no não-espaço que lhes é deixado

Em Portugal eu sou portuguesa hoje como o fui desde sempre mas sou mais poeira a cada hora como a que existe no deserto infecundo

Em Portugal e para muitas pessoas não há férias nem do inferno diário

Em Portugal a amizade já não está inundada do sublime poder do amor que a mesma devia encerrar

Em Portugal as minudências reinam como titãs como colares de ferro

Em Portugal o Sol é peneirado e encolhido porque pertença só de alguns

Em Portugal pretende-se que a semente ancestral se torne cancerosa tão só por desfalecimento por sede

Em Portugal e quando Portugal é jovem ou velho mas cognoscível subvertem-se as regras para que o destino dos homens e das mulheres os conduza à confusão – supremo lance – de quase todos serem considerados meras criaturas diluídas numa amálgama de supostas e regulares equações

Quando se cumprirá Portugal sem medo sem desejo de recompensa mas porque sabemos pôr-nos na situação e no lugar dos outros?

Quando e para quando a consistência? As núpcias do poder acreditar?

Quanta e desigual camada de alma minada de epidemia contagiosa é pertença de um grupo de mando?

Enquanto o sobressalto do princípio dentro de cada um apenas anuncia o final dos tempos

O descanso enfim


Teresa Cabral Ribeiro