a Sobre o tempo que passa: "Jus imperii" e companhias majestáticas

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.6.05

"Jus imperii" e companhias majestáticas



Em Portugal, ter poder é, acima de tudo, ser medido pela eficácia de gestão da cunha a nível da empregomania. Para tanto, importa ter uma minuciosa rede de contactos entre a fauna dos gabinetes, poder movimentar a agenda da gente da jornalada, ter alguma simpatia no meio dos "opinion makers" e até ornar-se com as flores cheirosas de alguns académicos ou intelectuais, susceptíveis de avença e compra do elogio. Mas um influente a nível nacional só pode consagrar-se se conseguir prestar adequados serviços a dirigentes locais, especialmente se conseguir olear adequadamente as comunicações entre as ministerialidades e os autarcas, acelerando o despacho cimeiro através do telefonema certo no momento exacto.

Não estamos, evidentemente, a falar nos consagrados "boys" que procuravam simples "jobs", mas antes nos "oldmen", na gente madura, mesmo misturada com certa fruta pôdre, especialmente nos privilegiados que podem ascender ao supremo sinal das companhias majestáticas, com "golden share". Esses espaços de bailado por onde se passeia a malta do Bloco Central, nessas trocas e baldrocas das nomeações pelo discricionário do "jus imperii".



Antigamente poderiam ser as dez ou vinte famílias que controlavam a teia plutocrática, nacionalizada no 11 de Março, antes de serem indemnizadas pelo soarismo e pelo cavaquismo e se reconverterem de forma discreta, ao mesmo tempo que assistiam à emergência de novos grupos, já mais experimentados neste conúbio entre a consultadoria e a "pantouflage".



Porque, no século XXI, o Estado em Portugal ainda conserva algumas gaiolas douradas para certas pretensas elites, à semelhança do que acontecia com o Crédito Predial nos tempos do rotativismo, onde se sucediam os chefes regeneradores e progressistas, com Fontes Pereira de Melo a refugiar-se nesse supremo tacho, quando José Luciano passava a Presidente do Conselho, e com Hintze Ribeiro a suceder a Fontes na chefia do partido e no gozo do belo lugar.



Claro que, hoje, a nossa pequenez já é um pouco mais abastada e também já está integrada na "network structure" das sociedades abertas da barganha, onde a gaiola tanto passa por Maria Celeste Cardona, do CDS, na CGD, como pelos velhos socialistas do grupo Montepio, do Padre Milícias a Gonelha, com passagem por Silva Lopes, ou pelos activos sociais-democratas do grupo BPN (v.g. Dias Loureiro) ou do grupo BCP (de Fernando Nogueira a Paulo Teixeira Pinto). Chamar a este espaço de "boys" seria tão injusto quanto qualificá-lo como sítio de senatorialismos. Porque estes preferem fundações, afundações e avaliações, numa dança de "pantoufles", perfeitamente legais, eventuais a-morais, mas politicamente censuráveis. A não ser que qualifiquemos tal processo como remuneração de imagem.