a Sobre o tempo que passa: Não ter medo da Europa

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.6.05

Não ter medo da Europa



Depois da provocação do ex-comissário Vitorino, também me apetece continuar a fazer "ruído" sobre a Europa. Dizendo "sim" através do "não". E repito que, como português, fiel às Cortes de Coimbra de 1385, às promessas traídas das Cortes de Tomar e à solução de autodeterminação pela vontade nacional concretizada no dia 1 de Dezembro de 1640, acredito na Europa como a república universal a que temos direito. Acredito na Europa da respublica christiana como o defendeu o humanismo cristão; acredito na Europa dos ius gentium como o defenderam os estóicos e o humanismo laico dos projectistas da paz. Acredito na Europa que os democratas-cristãos, os sociais-democratas, os conservadores reformistas e os liberais éticos começaram a reconstruir face às últimas tragédias do Leviatã e do Behemot, como as conhecemos na Segunda Guerra Mundial.

Não tenho, portanto, medo da Europa. Não tenho o receio atávico de certo conservadorismo britânico, com medo da Invencível Armada. Não tenho complexos do cordão sanitário luterano, como certos nórdicos da Europa enriquecida continuam a alimentar, para não falar nalguns descendentes dos huguenotes franceses que por aí circulam com outros nomes.

Julgo que o principal objectivo estratégico pelo qual os portugueses devem lutar é o da descolonização interna da Europa. Que todos façam, sem defenestrações, através da revolução do poder dos sem poder, o que nós praticámos em 1640. Mas sempre através de um conceito de casa comum europeia. Não me repugna, portanto, sacrificar o conceito absolutista de soberania ou a perspectiva geométrica de Estado moderno. Desde que se garantam os reinos, os povos e as nações; desde que se pratiquem as antiquíssimas virtudes da defensão e conservação das comunidades históricas.

A União Europeia pode não tornar-se inimiga dos nacionalismos libertacionistas, como alguns europeístas herdeiros do iluminismo geométrico e construtivista andam por aí a proclamar de forma politiqueira. Julgo, pelo contrário, que nem sequer poderá haver autenticidade na construção europeia se a Europa não se assumir como nação das nações, com a consequente auto-determinação das nações proibidas por impérios e pan-nacionalismos europeus. O nacionalismo português, por exemplo, não é irmão gémeo do nacionalismo germânico ou francês.

Nós que somos resistência a partir de uma separação, como podemos comparar-nos a nacionalismos que ainda são expansão de certos núcleos étnicos dominantes, através da supressão de certos direitos à secessão ou à diferença, num processo chamado de unificação? Comparar os lombardos com os franceses, os irlandeses com os defensores da Anschluss e os que queriam uma España una, grande y libre, de mar a mar, sin Portugal ni Gibraltar com os que sempre disseram que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento, é o mesmo que colocar os nossos sebastianistas como emissários de Olivares ou continuar a dizer, muito estalianiamente, que o nacionalismo ucraniano era agente do nazismo.