a Sobre o tempo que passa: Companheiro Vasco perdeu a muralha de aço

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.6.05

Companheiro Vasco perdeu a muralha de aço



Sempre fui um antigonçalvista primário e um anti-revolucionário assumido, sem as ilusões de um actual ministro do presente governo socialista que até escolheu a data da tomada de posse do primeiro governo vasquista para fundar um partido centrista, com que pretendia envernizar o cavernícola marxista-leninista de certa tropa. Ele foi, sem dúvida, a imagem de um certo Abril prequiano que fora spinolista, passou a costa-gomista e acabou soarista, sem nunca ter sido otelista. Reconheço que, hoje, caiu mais um mito: o do companheiro Vasco que nunca teve direito a muralha de aço. Perseguiu "eme-erre-pum-puns", encheu Caxias com capitalistas e contra-revolucionários; ajudou a descolonizar rapidamente e em força e deu origem, não apenas a movimentos unitários antifascistas, mas, sobretudo, a um gigantesco partido anticomunista que, ocupando as ruas, destruiu as pretensas lendas e narrativas do romantismo revolucionário, evitando que continuassem as prisões por delito de opinião, os atentados aos direitos do homem, a perseguição política dos adversários, os latrocínios, os roubos, as invejas à solta, o saneamento de professores e a expulsão de estudantes das próprias universidades, como fui vítima, perante o silêncio cúmplice e o aplauso de certos supremos magistrados dos dias que temos, quando ainda entoavam loas à luta de classes e ao sol da Terra soviético.

Ele foi vermelho, menos de cravos e mais de foices e martelos, e bem podia ter sido a mão armada de Álvaro Cunhal. Não sendo Guevara, Allende nem Fidel, bem poderia ter sido um intróito para Hugo Chávez, em ritmo de Alberto João. Teve e tem cantadores, baladeiros e poetas que quase o deificaram em estatuetas para a festa do Avante, mas acabou por se eternizar em muitas anedotas. Inventou o conceito de "pesada herança do fascismo", foi o murro que tentou "quebrar os dentes à reacção", no 28 de Setembro, e personificou a nacionalização dos "homens sem sono" no 11 de Março. Se ainda houvesse União Soviética, seria, sem dúvida, digno da máxima condecoração moscovita. Esperemos que os habituais supremos carpidores da república lhe tracem o elogio funerário, olhando-se ao espelho. Apenas direi, como sempre, revolução, nunca mais! E contra-revolução, muito menos! Mas não poderei deixar de dizer que, graças à coerência desse militar de alcatifa e célula, que, "a contrariu", erguemos, bem mais depressa, uma democracia pluralista e ocidental, sem as tragédias da guerra civil, até porque em pleno Verão quente, ele aceitou o convite de Otelo para optar pelas sopas e pelo descanso...