a Sobre o tempo que passa: Livros proibidos no Estado Novo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.6.05

Livros proibidos no Estado Novo



Foi recentemente lançado pelo Parlamento o magnífico catálogo "Livros Proibidos no Estado Novo". Prefaciado por um antigo deputado à Assembleia Nacional do mesmo Estado Novo que, muito em coerência com a complexidade lusitana, assumiu as funções de presidente parlamentar no presente regime, o trabalho reflecte a lista dos agradecimentos que nele consta. Isto é, eliminou todos os livros proibidos que não vinham de uma certa geração comunista ou socialista, comprimindo, talvez por falta de informação, todos os livros proibidos de outras oposições à salazarquia, dado que aí não encontrei nenhum dos livros proibidos de monárquicos ou de certos republicanos liberais. Julgo que por falta de informação.

Seria, por exemplo, interessante ver, na lista, um livro publicado em 1940, por José Hipólito Raposo, logo apreendido pela polícia política e que levou o autor a mais um desterro, só porque considerava a existência de uma salazarquia. Era monárquico e integralista, mas merecia não ser saneado deste inventário. Foi isso que me ensinou o meu professor de moral num liceu salazarista, um tal Padre Urbano Duarte, que, por acaso, figura na manifesto da Comissão Nacional de Defesa da Liberdade de Expressão, de Maio de 1971.

Curiosamente, dezenas de tais livros proibidos foram adquiridos por mim em pleno Estado Novo. Um deles era bibliografia obrigatória na Faculdade de Direito de Coimbra, nas aulas de Francisco Lucas, também antes de 1974: Georges Burdeau, "A Democracia". Outro, como "The Bolshevik Revolution", de E. H. Carr, ensinou muita gente a rejeitar o sovietismo. Para não falarmos de tantas outras estórias, como o manual de educação sexual de Egas Moniz que era vendido se para tanto se obtivesse uma receita médica.

O ridículo das censuras e dos censores merecia até ser plenamente gozado, mas o silenciamento de tanta gente, apenas merece ser denunciado, para que o antifascismo não possa padecer dos vícios do fascismo. Eu, pelo menos, recordo-me sempre do primeiro artigo político que publiquei, tinha eu dezasseis anitos, na página de juventude de um jornal monárquico, e que fui todo ele decepadinho pelo lápis dito azul. Curiosamente, a coisa até era anticomunista primária, mas não rimava com o politicamente correcto dos censores.