Leitura de férias I. Contra a rotina, a estupidez e a incultura!
Fernando Pessoa por Luís Badosa, imagem picada em pwp.netcabo.pt/netmendo/
Pertenço à raça dos navegadores e dos criadores de impérios. A falar como sou, não serei entendido, porque não tenho Portugueses que me escutem
Fernando Pessoa, um irregular do transepto, não escreveu para que o lêssemos, mas para que o representássemos, para que o tornássemos presente dentro de nós e, com ele, entrássemos em desassossego, nesse drama de vivermos entre os sonos de não conseguirmos dormir e o mistério de morrermos. Ele sempre esteve em contacto com os Altos Mestres sem passar pelas Ordens, até porque a vida iniciática é uma vida e não uma doutrina.
Teve que se escrever porque foi renunciando à vida. Nem sequer quis amar, pelo amor de uma mulher.
Sou um individualista absoluto, um homem livre e um liberal. E isto faz que tenha uma perfeita tolerância pelas ideias dos outros, que seja incapaz de considerar um crime o pensar outro do modo que não penso...
Começou, politicamente, como um iconoclasta antimonárquicos e morreu anti-salazarista para, nesse espaço intermediário, ser sempre do contra, salvo na ilusão do presidente-rei, muito especialmente depois de o terem assassinado, e com o nascente 28 de Maio, antes da salazarização do processo. Assim, observava que Salazar tinha "inteligência monocórdica" e "cultura unilateral", que seria do "tipo humanística, mas sem ser literária". Logo, Salazar, desumanizado, não passaria de "um cadáver emotivo", dado faltar-le "a imaginação e o entusiasmo", assistindo-se à "cesarização de um contabilista". Porque não seria "um estadista", mas um "arrumador. Para ele o país não se compõe de homens, mas de gavetas". Aliás, "uma doutrina pode ter uma força. Uma força não pode ter uma doutrina". Denunciando a "venda a retalho da alma portuguesa".
Os rituais exigem que se tenha fé neles antes que se possa começar a compreendê-los...
Neo-pagão e anti-católico, foi republicanos durante a monarquia, monárquico com a república e liberal em plena ditadura. Isto é, cumpriu a missão do homem livre. Foi sempre do contra. Até foi contra si mesmo, quando decidiu ir-se suicidando em absinto.
Contra a Rotina, a Estupidez e a Incultura...
O que de mais notável conseguiu realizar foi assumir-se como um marginal, num país que, décadas depois, o irá hipocritamente divinizar.
O papel individual é destruir; o papel social é construir.
Resta homenagearmos silenciosamente outros Pessoas que continuam a passear-se, incógnitos, pela Rua dos Douradores, mas sem poderem encher arcas com poemas por fazer. Quantos Pessoas não haverá que nem sequer tentam cumprir quem na verdade são.
O bem e o mal estão no psiquismo do crente, não na crença.
O maior erro é colocarmos o Pessoa na gaiola dos poetas consagrados, reduzido à dimensão de uma selecta literária. É não assumirmos o drama de quem andou sempre em sua própria procura, sem conseguir achar-se.
Ser liberal é ser crente na existência, de origem divina, da alma humana, e da inviolabilidade da sua consciência, em si mesma e em suas manifestações.
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