É por dentro das coisas que as coisas realmente são.
Imagem picada em Azoreano
Nesta computacional vivência de, com muitos, me encontrar todos os dias, neste dar e receber sinais de estarmos vivos, de estarmos fartos de não sermos, assim cansados de tudo parecer o que não sonhamos, há dias em que a net nos irrita, especialmente quando o nosso pensamento corre mais ligeiro e vai mais longe do que as teclas, ou quando a nossa memória viva não aguenta que os fios cruzados do computados, marcados pela lentidão de um erro de sistema. E tudo pode explodir quando sentimos que faltam ermos e secos montes onde possamos colher as flores da espera, sinais que nos dêem espaço de procura.
Reconheço que os mais ácidos dos analistas são os autores daquelas farpas que vão ao fundo das causas e conseguem descobrir que é por dentro das coisas que as coisas realmente são. Os que não confundem a árvore com a floresta, o ramo com a árvore e afolha com o ramo. Os que não esquecem que a parte não é o todo e que não são apenas umbigo. Porque o superior não deve estar ao serviço do inferior.
Mas há os que aqui estão como podiam estar em qualquer outro lado, esses portadores do bilhete de identidade de cidadão nacional que também poderiam ser apátridas ou compradores de um qualquer passaporte, num qualquer supermercado da falsificação.
Tudo isto para notar que, para muitos, dizer pátria soa a falsete, porque esse discurso comunitariamente mobilizador foi usurpado pelos detentores do aparelho de Estado e pelo dicionário de um politiquês cada vez mais inautêntico. Atingimos, aliás, as raias do ridículo e da própria falta de sentido estético a nível do simbólico, onde não faltam coreografias organizadas por agências de comunicação, ao serviço de certos figurões ministeriais.
Não faltam até aqueles que se pensam patriotas só porque traduzem em calão certo patriotismo estranho e estrangeiro. Desses, cujo principal orgasmo intelectual se reduz à glosa de uma qualquer revista de outras paragens, só porque pensam que, dela, são os únicos assinantes cá da aldeia. Tais inteligentes, esotericamente exóticos, que elogiam uma abstracção chamada Portugal, mas odeiam os concretos portugueses que somos e temos, são quase todos oriundos de uma esquerda dos anos sessenta e setenta do século XX, quando a dita pensava ter o monopólio da inteligência. São os mesmos que vão apaparicando uma certa direita que lhes é conveniente e que pensa ser flor única nesse universo de terra queimada.
Poucos reparam que a estadualização e partidarização da ideia nacional, depois de quatro décadas de autoritarismo, onde, segundo Almada Negreiros, foi substituído Portugal pelo nacionalismo, acabam por enredar-nos em traumáticas memórias de que nos devíamos livrar. Sem que se devolva esse valor transcendente ao espaço comum que dá identidade à esquerda e à direita todos definharemos e estupidificaremos.
Ora, quando a esquerda dominante começou a determinar quais as vozes que poderiam refundar a direita pós-revolucionária, alguma gente de direita não percebeu que essas vedetas da tal direita que convinha à esquerda apenas tinham sido artificialmente fabricadas para impedirem a efectiva refundação de uma não-esquerda que se libertasse do saudosismo salazarento e do neocorporativismo, negocista ou banco-burocrático.
Apelo aos que continuam a ser vítimas desse neo-inquisitorialismo, promovido pelas pretensas vedetas em causa, sejam jornaleiros, televiseiros, politiqueiros ou banqueiros, para investirem na solidão de quem não tem medo de ir para o exílio interno, não para ser abstencionista, mas para poder resistir. É por dentro das coisas que as coisas realmente são.
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