a Sobre o tempo que passa: outubro 2005

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.10.05

Entre déspotas e viradeiras, na véspera do terramoto



Neste Portugal dos Pequeninos com a mania das grandezas, quando o mau tempo nos vai trazendo a boa chuva e os grandes do futebol empatam todos, nada como comover-nos com a homenagem prestada por um dos nossos melhores comunicadores televisivos, antigo ministro da educação nacional de Salazar e Caetano, ao máximo unificador comum da esquerda e da direita, esse déspota pretensamente iluminado chamado Sebastião José de Carvalho e Melo que, enquanto esteve no supremo poder se encheu de comendas feitas do concreto de milhares de prédios.



Quando o salazarismo e certa herança maçónica elevam o déspota a interruptor da avenida da liberdade, podemos concluir que o nosso ciclo político decadentista anda sempre entre déspotas e viradeiras, entre o desespero da personalização do poder que, em nome do abstracto Estado, procura comprimir o pluralismo, proclamando o fim dos corporativismos e dos dos privilégios, e a frustração restauracionista do "satu quo ante" das viradeiras. Acontece sempre uma infernal sucessão de revolucionarismo sem reforma e de reaccionarismo situacionista que procura repor o que estava, a que se dá o nome de conservadorismo, o exacto contrário daquele centro excêntrico de uma tradição capaz de sustentar a mudança.



Paradoxalmente, as várias esquerdas e as várias direitas tendem a elogiar a terapia sísmica do terramoto, com o laicismo maçónico a aliar-se ao salazarismo, na inauguração da estátua desse símbolo do usurpador. Por mim, que não quero ter que escolher entre o despotismo dito esclarecido e a viradeira dita obscurantista, apenas quero rejeitar estes falsos atavismos, cuijas variações tanto produziram o salazarismo, do despotismo reaccionário, como o revolucionarismo do despotismo vanguardista.



E assim continuamos amarfanhados entre a ameaça de personalização do poder e o falso progressismo caceteiro, ambos assentes naquele colectivismo moral que tende a instrumentalizar tal dialéctica, onde não faltam congreganismos e anticongreganismos de sinal contrário, sempre adversários do pluralismo e da autonomia dos políticos, infra e supra-estatal.



Nas candidaturas presidenciais que por aí se pavoneiam, muitos procuram ressuscitar, de forma subliminar esse simbólico do despótico iluminado, pelo que Sebastião José ameaça voltar a agitar o não adormecido fantasma dos nossos medos ancestrais. Podem repetir, como Martin Luther King, que "have a dream", mas falta a muitos a necessária ideia de um Portugal plural, incompatível com merceeiros de lápis atrás da orelha e bata cinzenta, prometendo betão e folhas quadriculadas da contabilidade bancária.

Comissões de honra, presidenciáveis e o regresso da sociedade de corte



Se alguém quiser fazer um ensaio sobre o atavismo e a sociedade da corte, nada melhor do que visitar Portugal 2005 e penetrar nos meandros das chamadas comissões de honra das várias candidaturas presidenciais. Aí pode detectar a efectiva lista dos anteriores beneficiários das comendas, do decretino e até do saco azul, quando os candidatos exerciam funções cimeiras, como supremos gestores do aparelho de poder da companhia Pátria, S.A.R.L., isto é, no tempo em que se podia ser anónimo e de responsabilidade limitada.



Agora, cada candidato convocou a respectiva pequena corte para uma sessão televisionada de má passagem de modelos, transformando o povão em passivo auditório do discurso dessa pretensa elite, mais oligárquica do que aristocrática. Inevitavelmente, os lugares do primeiro banco da sala são quase todos ocupados pelos financiadores, com ilustres banqueiros e donos de afundações, bem acompanhados pelos ex e actuais gestores daquilo que era o sector empresarial do Estado, onde se incluem antigos ministros, nomeados pelos respectivos sucessores, e pelos dirigentes-angariadores da Liga Contra os Salários em Atraso, nos clubes de futebol.



No meio da sala, semeiam-se intelectuários e avençados, bem como inúmeros propagandistas ditos “opinion makers”, não faltando os que, vivendo da consultadoria, precisam de estar bem com Deus e com o Diabo. Aqui e além, um ou outro idiota útil, sonhando integrar a procissão do vencedor, à espera de uma qualquer futura comenda ou de um lugarzito no avião presidencial, na próxima visita oficial que se fizer à Mongólia, ao Taiti ou uma qualquer republiqueta onde haja coqueiros para subir ou tartarugas para cavalgar. Os restantes apenas estão sequiosos de um qualquer minuto de fama nas recepções da diplomacia do croquete, dentro da habitual ética republicana da sociedade da corte.



Com efeito, este desviacionismo de feira das vaidades, apenas confirma que o órgão monárquico mais democrático do presente regime político precisa de fingir-se aristocrático, para que se conclua esta nostalgia pelos sucessivos “anciens regimes” que nos façam retroagir pelo tempo em que os animais não falavam e os vivos não eram cadáveres adiados que procriavam discursos enlatados pelas agências de “marketing” político.



Por outras palavras, as comissões de honra são a cedência dos presidenciáveis à moda do “jet set” em ritmo de “reality show” de uma qualquer quinta das celebridades, onde não faltam oficiais-generais em risco de desactivação. E porque os publicitários campanheiros são sempre uns exagerados, os presidenciáveis acreditaram que “é disto que o meu povo gosta”. Não consta que tenham sido convidados os “entertainers” Carlos Cruz e Herman José, nem que tenha sido sondado o embaixador Jorge Rito.

29.10.05

Direito, blogues e Do Portugal Profundo



A propósito da minha participação como testemunha no julgamento de António Balbino Caldeira no Tribunal de Alcobaça, notei que vivia uma inédita e pioneira chegada do judicialismo à blogosfera lusitana. Tive de concluir que quem passa por Alcobaça, não passa sem lá voltar e reparei que um blogue é esse fio que liga um indivíduo ao espaço supra-soberano da cidadania universal, onde o imediatismo de um clique participa naquele espaço de etérea mudança que torna este meio de comunicação incompatível com as regras da agulha que cose os processos feitos de acordo com a ciência de que foi mestre José Alberto dos Reis.


O blogue pertence sempre ao império do efémero, onde só é novo aquilo que se esqueceu, onde só é moda aquilo que passa de moda e onde, na prática, a teoria é outra.



A blogosfera é um universo íntimo de desabafo, situado, como meio de comunicação inter-pessoal, num círculo pré-político. Um espaço que, saindo do doméstico, não pisa as raias dos controlos da cidadania nacional, não fazendo parte da ciência dos actos do homem como membro do Estado, mas da ciência dos actos do homem como indivíduo. É matéria que só pode ser verdadeiramente regulada pelo consenso daqueles, que praticando blogues, pensam e agem de forma racional e justa. Porque neste espaço de homens livres, não há leis, nem polícias, nem tribunais, nem prisões, onde deveria estar plenamente em vigor o princípio da subsidiariedade, dado que tem a ver com a pluralidade de pertenças cidadânicas, onde uma comunidade de ordem superior, como é o Estado, não tem que interferir na esfera de autonomia de uma comunidade de outra natureza.



Julgo que na lei portuguesa só incidentalmente existe uma ideia de blogosfera, pelo que a analogia com os meios de comunicação social pode levar a pouco adequadas interpretações extensivas, dado que um blogue nem sequer pode equiparar-se a um jornal electrónico. Logo é muito difícil que o teatro do mundo judicial penetre nestes universo. No mundo processual, há uma sobre-vida, com sobre-homens, sobre-factos e sobre-linguagens, pelo que é extremamente complexa a boa intenção de se aproximar o direito da vida e da verdade, bem como as subjectividades analíticas daquilo que deve ser a objectividade da justiça. Logo, sempre poderei dizer, como Fernando Pessoa, que se o Estado está acima do cidadão, também não deixa de ser verdade que o Homem está acima do Estado.

E mais não posso dizer, obrigado que estou obrigado ao chamado segredo de justiça, neste ambiente de triste balbúrdia e de mesurado intervencionismo, em que vamos decaindo, esquecidos que já estamos das eleições autárquicas, neste dia seguinte à greve dos magistrados e de muita memória curta, quando Pedro Santana Lopes regressou ao comentarismo político, depois de estarem lançados os principais dados da corrida presidencial da história recente da nossa democracia.

27.10.05

A pronunciação da Alfândega do Porto



Vamos ouvindo a pronunciação discursiva de Cavaco Silva na Alfândega do Porto, num programa de governação que pode ser sufragado pelo povo e entrar em contradição com o programa do governo vigente. Na sala grande, centenas de VIPs de primeira, deixando os VIPs provincianos pelos corredores, ou agarrados ao plasma. E quase podemos dizer que, com tantas elites político-partidocráticas, político-militares e político-bancárias, que hoje foram mobilizadas pela fina flor do situacionismo societário, tal como há dias, no Ritz, se tinham reunido, em torno do soarismo, as elites do presente situacionismo aparelhista, talvez seja de substituirmos as eleições por uma mistura de passagem de modelos com a sondajocracia. A aula está a ser chata, longa e mui cumprida. Dá-nos tédio esta quebra do tabu.

De um lado, a grande unidade da parcela laranja da pós-revolução; do outro, o mais envelhecido modelo da síntese soarista. Entretanto, ao mesmo tempo que Cavaco levava o seu discurso ao meio, os telejornais entrevistavam Alberto Costa e os grevistas do partido dos becas, enquanto o ministro da defesa continuava a enfrentar o partido da tropa e a da educação se preparava para enfrentar a primeira greve dos professores promovida em conjunta pela UGT e pela CGTP. Assim, com este governo socialista em estado de des-graça, com meia dúzia de candidatos à presidência invocando a grande unidade antifascista, parece que o grande desafio passa por sabermos se haverá segunda volta.

Jorge Coelho afasta-se do Governo

No Claro, de hoje, às 18 horas e 15 minutos, pode ler-se o seguinte postal:

“Não vou dirigir mais nenhuma campanha… esta foi a última!”, mensagem de Jorge Coelho, há pouco pelas “autárquicas”. Claro que sim, Jorge. Senão vejamos: as próximas autárquicas e legislativas são daqui a quatro anos e as presidenciais em 2010… Há ainda a campanha em curso de Soares, mas essa Coelho não a queria dirigir e nem ficar associado a um eventual desastre… Arrumadas as autárquicas 2005 e ficando Soares entregue a Alfredo Barroso & Cª, só por um desastre político haverá campanhas antes de 2009…

E se houver "desastre" é porque a direcção do PS e o Governo se afastaram (e muito…) das orientações de Coelho. Portanto, num tal cenário de frustração, que sejam os seus responsáveis a arcar com as responsabilidades… Coelho coloca-se longe! Mas não desaparece… Longe do que não é da sua lavra, mas perto dos seus – os militantes anónimos (e outros menos anónimos) do PS… Por isso, continuará (mas discreto) nos órgãos dirigentes do partido, como a voz dos socialistas que não têm voz. Entretanto, os homens de Costa e mais Silva Pereira que se responsabilizem pelo que fazem… Há aqui uma inexorável deriva de placas tectónicas e Coelho estará cada dia uns centímetros mais afastado do Governo…

Logo que o PS abriu as primeiras sedes, na Primavera de 74, Mário Soares decretou que os funcionários do partido não podiam ter funções nem responsabilidades políticas. Foi um corte radical com a cultura leninista. Só com Guterres em meados dos anos 90, os funcionários foram autorizados a desempenhar cargos e tarefas políticas… Surgiram então os antigos “choferes de Maria Barroso” a ocupar-se de concelhias da área de Lisboa… mas deixaram de ser funcionários.

Por isso, nunca no PS existiu qualquer “aparelho”. Mesmo uma efémera tentativa de Manuel Alegre para o criar, num quadro e caldo de cultura leninista, foi rapidamente votada ao fracasso, pois não se implantou. O enxerto não pegou na cultura política aberta e democrática que entretanto se criara no partido. E Alegre e os seus boys desapareceram pela esquerda baixa.

Quando Coelho irrompe no PS, a apoiar o novo secretário-geral Guterres, inicia uma frenética viagem ao interior do partido que dura há uma dúzia de anos e o levou a todos os campos, estruturas, cantos e cantinhos do PS. Coelho é o “bulldozer” e torna-se o “homem do aparelho todo-poderoso”… Hoje, quando Costas e Marcos Perestrelos se preparam para tomar conta do “aparelho de Coelho” é importante ver do que consta esse “aparelho”, para perceber o que esses “herdeiros” vão receber.

As universidades, as escolas de regime e os exames de mandarinato



Comentando as causas que envolvem a vergonhosa fuga de cérebros, nada melhor do que ver a agenda de um professor catedrático numa universidade pública, onde mais de metade do tempo do que deviam ser aulas se gasta em dilatórias reuniões de conselhos, com bailados de discussões de primas-donas em torno de actas, códigos de procedimentos administrativo, relatórios de avaliações e outras apreciações com que a burocracia mental da governação daquilo a que chamam Europa está enredando os portugueses, ensarilhados pelas ervas daninhas da subsidiocracia, dependente da nomeação decretina, do favor partidário, do clientelismo e da cunha, quase nos obrigando à filosofia da mão estendida e do dobrar da espinha.



As universidades públicas começam a ser ameaçadas pelo conceito de escolas de regime, onde o grau de pretensa cientificidade tende a ser directamente proporcional à proximidade com um qualquer grande chefe da partidocracia, do gabinete ministerial ou das boas graças que uma qualquer luminária mantenha com um mecenas, se possível banqueiro. Daí que possamos passar para a forma de colégios de mandarinato, onde o saber se transforma num instrumento do poder e onde a cultura pode deixar de rimar com homens livres. Porque estes, fartos de manipulações de corredor e de golpadas de salão, começam a perguntar onde fica o exílio, nem que seja o da solidão criativa, a única que ainda nos propicia um mínimo de independência crítica, sem a qual não há liberdade, identidade, autonomia e até aquele bem cada vez mais escasso a que os antigos davam o nome de independência nacional.



Confesso que, sobre a matéria, padeço daquele conceito de bem educado, bebido na pequena burguesia de rurícolas origens, assente num amadurecimento feito em democracia pluralista e Estado de Direito, onde aprendi a resistir à opressão, procurando estar sempre de acordo com os meus princípios, crenças e valores, mesmo que momentaneamente tenha que enfrentar uma maioria flutuante dos que preferem a vontade de todos dos interesses, à vontade geral do todo. Neste domínio, não aceito consensos de campanha eleitoral, preferindo o consenso dos que pensam de forma racional e justa e fazem um esforço para passar da opinião ao conhecimento.



Ai da universidade se não se organizar hierarquicamente em torno do bem supremo da sabedoria, que nunca coincidiu com o apetite dos rebanhos feitos pelo temor reverencial da multidão solitária que procura a protecção na encomendação feudal, face ao vazio da justiça meritocrática.


O meu amigo Zé Mateus no seu Claro, comentou este postal da seguinte forma: Sem paciência para aturar o “sítio salazarento”. O MELHOR DE PORTUGAL VAI-SE EMBORA. Em tempos idos, Portugal não tinha espaço para boa parte dos filhos segundos da nobreza e exportou-os, através da aventura dos Descobrimentos... No século XIX, sem desenvolvimento e fora da revolução industrial, não tinha lugar para boa parte da população activa e exportou-a para o Brasil... Nos idos salazarentos, não havia lugar para mais de metade da população dos campos e para todos os que insistiam em pensar e foram exportados "a salto" para França... A tradição mantém-se mas já não é bem o que era: agora, Portugal não tem lugar e exporta... os jovens mais qualificados! Abre mão do quem de melhor porque não tem espaço para... o melhor! Razão tinha o mestre Agostinho da Silva quando dizia que verdadeiros portugueses são os que se vão daqui para puderem fazer Portugal... já que aqui não é possível. Razão tinha o Jorge de Sena que dizia o mesmo de outro modo e inventou o conceito de "insignes ficantes"....

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Democracia, sondajocracia, presidenciais e fuga de cérebros. O de como a avenida da liberdade passa a ser dos aliados



Apesar de não ter causa presidencial que me mobilize, julgo que é possível semear nos interstícios desta luta do poder algumas sementes de um sonho político que possa superar o revanchismo e o facciosismo que nos vão poluindo. Porque as candidaturas presidenciais sempre foram ínvios atalhos de acesso à visibilidade dos que se acobertam à sombra dos cabeças de cartaz. Até agora, se houvesse prémios de candidatura, diríamos que o prémio da melhor palavra de comentador dos outros rivais vai para Alegre. O prémio do ventríloquo de si mesmo cabe a Soares. O de gestão dos silêncios para Cavaco. Dos outros pouco vai rezar a história. Com Soares arrependido pelos elogios que outrora fez a Louçã. Com Jerónimo em mangas de camisa a sustentar o velho quadrado de uma tribo de que desertou Saramago.



Foi cercado por estas reflexões intímas que participei mais uma vez como comentarista no "Forum da TSF" a convite de Manuel Acácio, onde tentei dizer que democracia não é sondajocracia, que o acto de escolha eleitoral é demasiado soberano para ficar dependente de prévias sondagens feitas antes do começo de uma campanha eleitoral e antes mesmo da apresentação dos programas dos vários candidatos. Porque, de outra maneira, as eleições presidenciais seriam mero passeio numa qualquer Avenida. Soares disse que seria na da Liberdade em Lisboa, sem nos comunicar se ele seria a subir ou a descer, se ele começaria nos Restauradores ou na estátua do déspota que a encima. Por mim, julgo que elas podem ser um passeio, mas na Avenida dos Aliados, dado que os principais candidatos são os representantes máximos do situacionismo a que chegámos, desse "status in Statu" e dessa "ditadura do statu quo" em que vivemos, como se manifesta nas várias comissões de honra dos candidatos.



Salientei que, face aos resultados do barómetro, está superada a velha divisão inventada por António Barreto, então do MASP, que nos dividia entre um povo de direita, freitista, e um povo de esquerda, soarista. Julgo que nunca Cavaco não quer ser o tal representante do povo de direita e que Mário Soares tentará roubar o discurso ao antigo líder do PSD.



Até acrescentei que está em baixo o nível de controlo do aparelhismo partidocrático, dado que, para efeito de presidenciais, Sócrates e Marques Mendes não existem. O primeiro com um governo sem estado de graça, apenas tem favorecido Alegre. O segundo incomodaria imenso Cavaco Silva se aparecesse muito a colar o PSD à campanha daquele que foi o coandidato derrotado por Jorge Sampaio. Apenas Jerónimo e Louçã tentarão medir as respectivas fidelidades partidárias, visando saber quem comanda a segunda divisão da esquerda mais próxima das margens do sistema.



Desta maneira, as sondagens premeiam a gestão dos silêncios feita por Cavaco, consagrando-se a história da pescada que, antes de o ser já o era. Acresce que muitas das discussões que se vão emitindo sobre a matéria quase parecem posturas de heterónimos e de ventríloquos. Primeiro, com a predominância dos porta-vozes e com a emergência dos mandatários de juventude ou de música, com Soares a vestir-se de Joana Amaral Dias, Cavaco, de Kátia Guerreiro, e Alegre a não saber se há-de escolher um fadista ou um artista de banda "rock".



Julgo, contudo, que os candidatos, enquanto grandes actores da política irão introduzir algum dramatismo no processo, desde a teoria da bofetada da Marinha Grande, à espera do milagre que costuma ocorrer perto de Fátima, a estórias e estórias de um passado que já não há, falando no vôvô Soares, no tio Aníbal que fez obra ou no primo Manel que é um fazedor de letras e poemas para todos cantarmos, sem ser em dó menor.



Apenas me apetece dizer que todas as revoluções são pós-revolucionárias e que os vencedores chegam sempre no dia seguinte. Basta recordar o 25 de Abril de 1974 que, de acordo com a versão pluralista do Estado de Direito, triunfante em 25 de Novembro de 1975, data terá a comemoração do trigésimo aniversário daqui a um mês, acabou por consagrar como principais protagonistas tanto Soares como Cavaco.Nenhum dos candidatos até agora comentou a recente publicação de dados do Banco Mundial, segundo os quais Portugal é uma vergonha quanto à fuga de cérebros, onde estamos ao nível do Malawi e da República Dominicana, no último lugar da Europa e numa vergonhoso 21º lugar a contar do fim, dado que 20% dos nossos licenciados parte para o estrangeiro, face à evidente violação dos princípios da igualdade de oportunidades e de valorização da meritocracia, provocado pelo soarismo e pelo cavaquismo. Esperemos que os habituais educacionólogos e avaliólogos continuem a entoar a respectiva música celestial.