a Sobre o tempo que passa: Jorge Coelho afasta-se do Governo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.10.05

Jorge Coelho afasta-se do Governo

No Claro, de hoje, às 18 horas e 15 minutos, pode ler-se o seguinte postal:

“Não vou dirigir mais nenhuma campanha… esta foi a última!”, mensagem de Jorge Coelho, há pouco pelas “autárquicas”. Claro que sim, Jorge. Senão vejamos: as próximas autárquicas e legislativas são daqui a quatro anos e as presidenciais em 2010… Há ainda a campanha em curso de Soares, mas essa Coelho não a queria dirigir e nem ficar associado a um eventual desastre… Arrumadas as autárquicas 2005 e ficando Soares entregue a Alfredo Barroso & Cª, só por um desastre político haverá campanhas antes de 2009…

E se houver "desastre" é porque a direcção do PS e o Governo se afastaram (e muito…) das orientações de Coelho. Portanto, num tal cenário de frustração, que sejam os seus responsáveis a arcar com as responsabilidades… Coelho coloca-se longe! Mas não desaparece… Longe do que não é da sua lavra, mas perto dos seus – os militantes anónimos (e outros menos anónimos) do PS… Por isso, continuará (mas discreto) nos órgãos dirigentes do partido, como a voz dos socialistas que não têm voz. Entretanto, os homens de Costa e mais Silva Pereira que se responsabilizem pelo que fazem… Há aqui uma inexorável deriva de placas tectónicas e Coelho estará cada dia uns centímetros mais afastado do Governo…

Logo que o PS abriu as primeiras sedes, na Primavera de 74, Mário Soares decretou que os funcionários do partido não podiam ter funções nem responsabilidades políticas. Foi um corte radical com a cultura leninista. Só com Guterres em meados dos anos 90, os funcionários foram autorizados a desempenhar cargos e tarefas políticas… Surgiram então os antigos “choferes de Maria Barroso” a ocupar-se de concelhias da área de Lisboa… mas deixaram de ser funcionários.

Por isso, nunca no PS existiu qualquer “aparelho”. Mesmo uma efémera tentativa de Manuel Alegre para o criar, num quadro e caldo de cultura leninista, foi rapidamente votada ao fracasso, pois não se implantou. O enxerto não pegou na cultura política aberta e democrática que entretanto se criara no partido. E Alegre e os seus boys desapareceram pela esquerda baixa.

Quando Coelho irrompe no PS, a apoiar o novo secretário-geral Guterres, inicia uma frenética viagem ao interior do partido que dura há uma dúzia de anos e o levou a todos os campos, estruturas, cantos e cantinhos do PS. Coelho é o “bulldozer” e torna-se o “homem do aparelho todo-poderoso”… Hoje, quando Costas e Marcos Perestrelos se preparam para tomar conta do “aparelho de Coelho” é importante ver do que consta esse “aparelho”, para perceber o que esses “herdeiros” vão receber.