a Sobre o tempo que passa: Algumas notas sobre o diga trezentos e três, pouco simplexes e muito complexo-burocratilófilas, segundo as ciências que Gago considera ocultas

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.3.06

Algumas notas sobre o diga trezentos e três, pouco simplexes e muito complexo-burocratilófilas, segundo as ciências que Gago considera ocultas

Duas comemoração há hoje a assinalar: primeiro, a de 1967, quando a Igreja Católica precebeu que chegou a globalização e o papa Paulo VI emitiu a encíclica "Populorum Progressio"; em segundo lugar, a de 1977, quando o Portugal pós-revolucionário e soarista solicitou a adesão às então CECA, CEE e CEEA, dado que a de 1835, a morte de D. Augusto, o primeiro marido de D. Maria II, apenas tem a ver com a nossa inserção na balança da Europa, dado que o dito consorte precedeu o segundo consorte, D. Fernando e ambos foram dados à jovem rainha de acordo com a influência da nossa potência directora, nos termos do tratado da quádrupla aliança de Abril de 1834. O primeiro era francês, da França dos Orleães; o segundo era alemão, mas dependente da rainha Vitória e da potência britânica e da sua subsecção continental, o rei Leopoldo de Bruxelas, que era o único belga que então existia, como ele próprio dizia.

Anteontem, ontem e hoje já a situação era complexa e não simples nem simplex. Porque a complexidade sempre foi uma forma particular de agrupamento de elementos, diferente da agregação. Esta é uma reunião de elementos não combinados, enquanto a complexidade é uma heterogeniedade organizada, ligando os elementos num conjunto com um raio determinado, ligando os vários elementos entre si. Sem consultar o MIT ou um dos muitos assessores que Mariano Gago costuma despachar para vender nas universidades o espírito de Bolonha, sei, segundo Henri Lepage que esta "teoria dos sistemas complexos" regidos por "mecanismos de auto‑organização que respondem a flutuações aleatórias" está próxima de alguns teóricos da química molecular que defendem a existência de "processos de crescente complexificação, conducentes a ordens espontâneas, permanentemente reposta em causa, mas que, por sua vez, levam à constituição de ordens sempre mais complexas.

E isto porque a ideia estática de uma ordem universal imutável é cada vez mais contestada por uma filosofia dinâmica da desordem e da entropia, também ela fundamentada na ideia neo‑darwiniana de uma selecção natural de sistemas de propriedades estruturantes (Morin)".

Com efeito, só a agregação, enquanto uma reunião de elementos não combinados é que é simples. Logo, uma máquina administrativa, enquanto a complexidade, é uma heterogeniedade organizada. É o preciso contrário daquilo que é simples. É o que caracteriza os sistemas abertos, em confronto com os sistemas fechados. Aqueles que são regidos por mecanismos de auto-organização, que respondem a flutuações aleatórias e que têm processos de crescente complexificação, conduzindo a ordens cada vez mais espontâneas.


Deste modo, cada nova ordem traz consigo novos desafios, donde surgem novas ordens ainda mais complexas. A complexidade diz respeito aos todos, às totalidades que não são simples justaposição de elementos simples, diz respeito aos todos centrados sobre si mesmos. A especificidade está na energia radial ou interna das coisas humanas, dessa anti-entropia que atravessa o mundo físico e o faz subir para o improvável. É esse poder que têm os seres vivos para a regeneração e para a multiplicação. Essa forma de energia que lança para cima e para dentro, para estados cada vez mais complexos e mais centrados. Essa forma de energia que liga os corpúsculos de centro a centro, de consciência a consciência sempre no sentido do improvável.

E nisso, os seres vivos divergem da lei da degradação da energia marcante no mundo físico, onde domina a entropia, aquela quantidade de energia que, sendo gasta numa mudança, se torna irrecuperável pelo sistema e fica para sempre na zona do desperdício. A entropia tende para a involução e para o nivelamento de conjuntos corpusculares marcados pela probabilidade, por esse jogo nivelador e homogeneizador que conduz à morte da matéria. Ela não passa de uma energia tangencial, mensurável.

Não sei se a ilustre criadora do simplex e colaboradora do "blogue" de Vital Moreira e Ana Gomes terá explicado ao Primeiro Ministro que burocracia veio doo francês bureaucratie, termo inventado por Gournay, na primeira metade do século XVIII. E que tal corresponde ao tipo ideal de uma organização formal da sociedade, caracterizada pela legitimação hierárquica da autoridade, com poderes e responsabilidades atribuídas a funcionários que ocupam posições numa determinada hierarquia marcada pelo direito à carreira. Onde cada posição tem objectivos previamente fixados e há uma codificação de todas as regras de conduta que tratam da organização como um todo, onde há ordens comunicadas por escrito.

Porque, segundo Weber, uma das características do Estado Moderno, um conjunto de pessoas marcadas pela competência e não pela fidelidade. O Estado Moderno seria, acima de tudo, um Estado Racional marcado pelo surgimento de uma administração burocrática. E isto porque em todos os domínios (Estado, Igreja, exército, partido, empresa económica, grupo de interesses,associação, fundação,etc.), o desenvolvimento das formas modernas de agrupamento identifica‑se muito simplesmente com o desenvolvimento e com a progressão constante da administração burocrática: o nascimento desta é, por assim dizer, o esporo do Estado ocidental moderno.

Por outras palavras, a burocracia racional é, pois, uma ditadura do funcionário. Apoia‑se na crença na legalidade de ordens estatuídas e dos direitos de mando dos chamados por essas ordenações a exercer a autoridade. Tem uma impersonalidade formalista, consistindo numa dominação graças ao saber que destrói os antigos sistemas de legitimação. Assim, o saber e a ideologia passam a ser os principais pontos de apoio do Estado.


Uma burocracia que também se tornou possível pelo aparecimento de uma economia monetarista que permitiu ao Estado passar a pagar com regularidade aos seus funcionários, abandonando‑se o anterior pagamento em espécie, por exemplo, através do aluguer da função de cobrador de impostos.

Segundo Weber, tem a ver com a acção racional referente a fins (Zweckrational), onde os indivíduos são capazes tanto de definir objectivos como de avaliar os meios mais adequados para a realização desses objectivos, uma acção social marcada pela moral de responsabilidade, onde o valor predominante seria a competência. Aqui já nos situaríamos no campo do Estado racional-normativo ou do Estado-razão, onde domina a acção burocrática, aquela que faz nascer o poder burocrático, o poder especializado na elaboração do formalismo legal e na conservação da lei escrita e dos seus regulamentos, onde dominam a publicização, a legalização e a burocracia.


Agradeço ao leitor Xico Pereira a calinada citativa que me corrigiu na versão original deste postal. Com pedido de perdão ao Eduard"o" Lorenz.