a Sobre o tempo que passa: Cortina de ferro, morte de Estaline e democráticos impérios coloniais, sem esquecer a invasão do Iraque, com o desembarque de José Lamego

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.3.06

Cortina de ferro, morte de Estaline e democráticos impérios coloniais, sem esquecer a invasão do Iraque, com o desembarque de José Lamego

Há duas notas para hoje que merecem reflexão, porque, afinal, todas estão imbricadas na história profunda do século XX. No ano de 1946, Churchill fazia em Fulton o célebre discurso em que denunciava a "cortina de ferro", através da qual o sovietismo estava a dividir a Europa. Sete anos depois no mesmo dia, morre Estaline. Curiosamente, no dia seguinte àquele em que se comemora o discurso de um PCP que, na realidade, só foi fundado mais de um lustro volvido, com a reorganização de Bento Gonçalves. E tudo bem antes de Moscovo ser governada pelo degelo anti-estalinista que, afinal, criou o Pacto de Varsóvia, construiu o "muro da vergonha" e até invadiu Praga, proibindo as primaveras, antes de medir os respectivos poderes e optar pela "perestroika" e por Putine.

O recriador do conservadorismo no século XX, contudo, olhava a Europa bem de fora: mesmo sem o Império Britânico e a Rússia, a massa europeia, uma vez unida, uma vez federada ou parcialmente federada, uma vez consciente do seu continentalismo, constituirá um organismo sem igual. No que diz respeito à Inglaterra, nós estamos com a Europa, mas não somos da Europa. Estamos ligados, mas não estamos incluídos.

E a tal Europa do eixo franco-alemão, mesmo depois das "Libérations" não deixava de ser a continuadora dos Jules Férry e dos Norton de Matos, como se expressava na democratíssima constituição da França antifascista: A França forma com os povos do ultramar uma União fundada na igualdade dos direitos e deveres, sem distinção de raça nem de religião ... Fiel à sua missão tradicional, a França entende conduzir os povos...para a liberdade de se administrarem por si próprios. Isto é, tanto britânicos como galos, ainda assumiam, muito democraticamente, o white man's burden... E se soubessem de política internacional perceberiam que a superpotência russa ainda praticava o clássico imperial-comunismo que traduzia em século XX a velha Weltpolitik, onde a ideologia do internacionalismo proletário apenas era uma espécie de federalismo anestesiante.

Daí o paternal conselho de Churchill aos homens do Eixo franco-alemão, alguns meses depois, no discurso de Zurique: se os países europeus chegarem a unir-se, os seus 300 a 400 milhões de habitantes conhecerão, pelo fruto de uma herança comum, uma prosperidade, uma glória, uma felicidade que nenhum limite, que nenhuma fronteira limitará. É preciso que a família europeia, ou, pelo menos, a maior parte possível da família europeia, se reforme e renove os seus laços, de tal maneira que possa desenvolver-se na paz, na segurança e na liberdade. É preciso erigir qualquer coisa como os Estados Unidos da Europa. O primeiro passo que deve dar-se é a constituição de um Conselho Europeu. Para conduzir a bom termo esta urgente tarefa, a França e a Alemanha deverão reconciliar-se, a Grã-Bretanha, a família dos povos britânicos, a poderosa América e, espero-o sinceramente, a União Soviética - porque, assim, tudo se resolverá - deverão tronar-se amigos e protectores da nova Europa, deverão defender o seu direito à vida e à prosperidade.


O georgiano Estaline, se pudesse, isto é, se tivesse poderes para tanto, faria o mesmo discurso. Truman e Eisenhower preferirão a OECE e Jean Monnet. Salazar, infelizmente, porque não tinha carta de condução, não conseguiu voltar para Santa Comba Dão. Mas ainda participou na fundação da EFTA e ponderou pedir a inicial adesão à CEE, numa altura em que esta ainda reunia a final flor dos velhos impérios coloniais europeus que, aliás, só o deixaram de ser quando, reconhecendo a respectiva falta de força, se descolonizaram, acirrando o neocolonialismo, como se tornou patente no ciclo que vai do desembarque em Port Said, contra a nacionalização do Canal de Suez, à recente "pacificação" do Iraque, onde colaborámos com o desembarque do socialista José Lamego.