a Sobre o tempo que passa: Nucleares, amarantinos, tejeros, anarco-sindicalistas e luta contra a nova e velha escravatura

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.2.06

Nucleares, amarantinos, tejeros, anarco-sindicalistas e luta contra a nova e velha escravatura



A efeméride que começo por assinalar ocorreu ontem, mesmo ontem, quando reparei como resultaram em cheio algumas operações de "marketing" comunicacional promovidas por certos grupos de pressão que, por acaso, tornaram o nuclear na propaganda do dia, para gáudio dos vendedores franceses de centrais experimentais, da multinacional "Siemens" e do representante mediático desta federação de legítimos interesses, chamado Patrick dos Veleiros com Farm nos States, que até há dias era o homem das petrolíferas e um dos accionistas da Galp. Conseguiram mostrar às massas que ser pelo nuclear é ser patriótico, obtiveram o apoio, bem útil e certamente pouco inocente, de uma pessoa colectiva pública engenheiral, da classe corporativa, porque foi Salazar que inventou as ordens, e tiveram ao seu lado, em nome da felicidade económica, as principais associações patronais, dando a imagem que só os idiotas "hippies" dos ambientalistas, especialistas na salvação do lince da Malcata e da ilhota da Utopia, é que estão contra a construção desse edifício salvacionista do nosso défice. Por mim, faço-lhes o gesto do Zé Povinho: "não, e não o faço obrigado!".



Até sou liberal sem ser sócio da Quercus. E sei, por informação científica certa, que tudo o que ganharíamos, imediatamente, com a tal palermice do mais barato e do mais limpo se conseguiria se os engenheiros convencessem a EDP, a indústria e o comércio a não desperdiçarem a energia actual com instalações cheias de buracos e anti-cientificamente instaladas. Porque o nosso eventual atraso pode ser a tal vulnerabilidade que deve ser transformada em potencialidade, passando para uma nova energia que vá além das chamadas renováveis, na qual deveríamos apostar em força, pedindo a cientistas independentes de subsídios que nos tragam um conhecimento diferente dos argumentos papalvos emitidos por Ângelo Correia que agora já não fala na crise dos "cartoons".



Apenas reparo que hoje, por coincidência de tolice, se deu, em 1823, a chamada revolta do conde de Amarante em Trás-os-Montes, quando, ao serviço dos interesses espanhóis e de D. Carlota Joaquina, sua irmã, se procurou pressionar D. João VI para não cumprir o plano joanino, que era o de termos um regime consensualista e anti-absolutista tradicional, com o regresso às cortes e a transformação das leis fundamentais numa carta constitucional, coisa que anteciparia a de 1826, mas sem guerra civil, permitindo aos Braganças que cumprissem a missão armilar de união pessoal com o Brasil. Por outras palavras, os apostólicos, ou "serviles", que utilizaram, porventura, o assassinato do marquês de Loulé e do próprio rei, não passaram de traidores dos objectivos nacionais permanentes.



E golpe falhado, por golpe idêntico, há que recordar coisa semelhante, ocorrida em Madrid em 1981, com Tejero de Molina, mas onde, felizmente, venceu a monarquia democrática e autonómica dos Bourbons, vindos de Paris. Por isso é com gosto que também comemoro a mesma data de 1869, quando se conseguiu, contra os grupos de pressão dos negreiros, disfarçados de burgueses e aristocretinos lisbonenses, o decreto sobre a abolição definitiva da escravatura em todos os espaços sob domínio dos portugueses, acabando com os adiamentos de aplicação do sonho de Sá da Bandeira, em nome da eficácia da gestão de certos latifúndios brasileiros de Angola. Não caiamos agora em nova escravatura, através do nuclear. Continuemos a libertar-nos e viva o hidrogénio.



Porque não quero recordar a fundação do PRD em 1985 ou a eleição de Guterres como secretário-geral do PS em 1992. Prefiro salientar também que, neste dia, em 1919, surgiu o jornal "A Batalha", quando o anarco-sindicalismo libertário era maior do que o comunismo junto do movimento operário e ainda havia cultura popular para ser feito um jornal apenas por operários, entre os quais estarão um tipógrafo como Alexandre Vieira e outros da mesma classe, como o futuro romancista Ferreira de Castro e o futuro historiador, sãotomense e portuguesíssimo, Mário Domingues. Viva o núcleo duro dos nossos capitalistas que conseguem mandar um homem para o espaço, pela compra de um bilhete de duzentos mil dólares! Abaixo o nuclear! Não quero ser cobaia...