a Sobre o tempo que passa: Algumas refexões sobre a actual disfunção parlamentar. Como disse à TSF, ao RCP e ao DE

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

15.4.06

Algumas refexões sobre a actual disfunção parlamentar. Como disse à TSF, ao RCP e ao DE



Dizem os manuais que aos parlamentos democráticos cabem as funções legislativa, fiscalizadora, representativa e tribunícia

Acrescentam, sobre os partidos, que, a estes, cabe a formação da opinião, o recrutamento político, o enquadramento dos eleitores e a articulação a agregação de interesses

O patente aborrecimento da opinião pública face aos seu representantes parlamentares e partidários não é mais uma cena de uma camiliana “Queda de um Anjo”, não é um erro de política de imagem, mas antes uma crise funcional

E está directamente relacionada pelo cerco que à democracia está a ser movimento pela aliança do indiferentismo e da apatia dos povos, com o apodrecimento dos aparelhos de poder pela corrupção


Os parlamentares deixaram de ter o monopólio de voz tribunícia da comunidade política, dado que tal papel de arrazoador dos povos passou a ser crescentemente ocupado pela comunicação social, sobretudo pela chamada teledemocracia

Surgem também no aparelho de poder outros sítios e outras instâncias que fazem o diálogo directo com o povo, através da democracia electrónica, desde a Presidência da República ao Governo e Provedor de Justiça, cujos “mails” de acesso universal são mais flexíveis do que as tradicionais petições ao parlamento.



O parlamento deixou a plenitude de conselho fiscal do executivo, dado que a sede efectiva do comando da governança passou a residir nos directórios partidários

Os deputados, em nome da disciplina partidária, passaram a ser simples bocas que pronunciam as palavras dos programas e injunções que os nomearam para candidatos nas máquinas partidárias

As câmaras transformaram-se em lugares de confronto das ressonâncias (inputs) dos apoios e aplausos dos situacionistas, contra as reivindicações e bota-abaixismo das oposições às maiorias governantes

Basta assinalar a circunstância de até agora nenhuma comissão parlamentar de inquérito ter censurado o poder maioritário estabelecido

Há uma evidente falta de qualidade no quantitativa dos deputados que não podem ou não querem sentar-se nos primeiros bancos da Cortes

Muitos dos deputados dos médios e grandes partidos apenas faz número ou faz quota, de género, de interesse ou de distrito, tendo em vista uma votação

E os de qualidade primam, muitas vezes, pelo silêncio procurado, sentindo o esmagamento da respectiva inutilidade face aos rigores disciplinares da falta de independência

Os críticos desta disfunção de marca partidocrática não são necessariamente críticos da democracia representativa ou defensores da utópica democracia directa.

Podemos desviar-nos da literatura de justificação do poder estabelecido, defendendo a regeneração da democracia representativa e da necessária reforma parlamentar, exigindo, nomeadamente novos poderes para a representação nacional, nomeadamente em matéria de relações internacionais, na linha dos “separated but fused powers” de outras experiências democráticas.