a Sobre o tempo que passa: Testemunho de um velho crente, pré-estadualista e pré-soberanista em dia de memória da luta contra os ortodoxos

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.5.06

Testemunho de um velho crente, pré-estadualista e pré-soberanista em dia de memória da luta contra os ortodoxos



Ontem era dia recordar tanto a morte de Copérnico, em 1543, como o nascimento da rainha Vitória, em 1819, hoje, de assinalar que só em 1773 é que foi finalmente extinta em Portugal a oficial distinção entre cristãos novos e cristãos velhos, coisa que nunca foi verdadeiramente aplicada, dado que ainda mantemos estas ilusórias classificações entre ortodoxos e heterodoxos, medidos pelo sucessivos culturalmente correctos da nossa conjuntura, coisa que até acontece aqui na blogosfera lusitana, quando o estilo de certos pontos de referência começa a adquirir tiques papistas, com as suas viúvas inquisidoras. É por isso que tanto saúdo Luandino Vieira, de mal com os salazaristas por amor do MPLA e de mal com os MPLAs de hoje, por amor de Vale de Lobos, como também reparo na chegada de tropas australianas a Dili, no adiamento da compra dos submarinos de Portas e no eventual recrutamento de Rui Costa pelo Benfica.



Cá por mim, condenado a heterodoxia por fazer parte daqueles velhos crentes que sempre foram cristãos novos, prefiro continuar por aqui, a passear entre as páginas do tempo, embora não possa deixar de assinalar que anteontem, ao fim da tarde, quando dava uma volta pelos becos do meu bairro, encontrei, por acaso, na Rua do Embaixador, um antigo colega meu do curso do IDN de 1985, o senhor D. Duarte, duque de Bragança e que, de conversa em conversa, fomos à procura de um café, assentando-nos nos Queques de Belém, diante do Museu dos Coches, onde, dele, recebi novas sobre a sua última visita a Bissau e da conversa que aí manteve com Nino Vieira, assim se demonstrando como o descendente de D. Pedro IV e de D. Miguel merece o título, no seu eterno sonho do Portugal universal, capaz de vencer o estreito círculo das pequenas sociedades de corte que o tentam fechar na caricatura do reizinho, pretendente ao trono, ele que é dos mais lúcidos críticos que tenho encontrado face a aristocretinos e fidalgotes.



O duque de Bragança tem a grandeza da humildade daquela velha nobreza que não tem os tiques da fidalguia, assumindo o essencial da herança que lhe cabe legar ao futuro, aquilo que em português antigo se chama o afecto e que nos leva à lealdade básica face a princípios e a instituições. Aqui lhe deixo o meu testemunho azul e branco, de realista que bem gostaria de realizar a minha máxima ambição política, a de, um dia, ser procurador do povo numas quaisquer Cortes que voltassem a refazer leis fundamentais que dessem à república dos portugueses o símbolo congregante da coroa aberta do rei medieval e renascentista, do pré-estadualismo maquiaveliano e do pré-soberanismo bodiniano, a fim de nos libertar deste espartilho leviatânico que, depois de conspurcar os ditos Estados Nacionais, continua a fazer apodrecer a própria Europa política, tentada pelo método bismarckiano, napoleónico ou da casa de Áustria.