De regresso ao sítio donde nunca saí, entre a bolonhesa e a Catalunha
E aqui estou, onde sempre estive, depois de algumas meditações sobre que irei fazer no próximo ano lectivo, o próximo da semi-bolonhesa, mas, felizmente, não faço parte da casta dos ilustres engenheiros curriculares que andam atarefados na consulta da Internet e da Wikipédia, para a traduzirem para calão universitário lusitano, com muito linguajar de educacionês tecnocrático, aderindo ao rolo compressor típico dos colonizados por modelos exógenos, sempre marcados pela tríade cartesiano-napoleónico-positivista, habitual fabricante daqueles chouriços indigestos que, decretando a "revolução a partir de cima", aliada ao populismo vanguardista, acabam nesse jogo de soma zero, onde ao despotismo de todos se sucede o despotismo de um só, para que tudo acabe nas oligarquias sem aristocracia do despotismo de apenas alguns.
Prefiro notar no que há muito já sabia: 62% dos estudantes universitários portugueses confessam copiar, facto que, segundo estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é directamente proporcional aos processos de corrupção posterior dos futuros profissionais saídos de universidades de fabricantes de chouriços sebenteiramente memorialistas. Este ano, por exemplo, em cadeiras minhas da licenciatura, utilizei a técnica de admitir copianço oficializado: permiti que todos os estudantes trouxessem x caracteres de aide mémoire que obrigatoriamente juntavam às folhas do teste, valorizando a própria forma de a elaborarem. Assim, apelava ao esforço pessoal de compreensão e síntese e tentei incutir a capacidade de elaboração de glosas e comentários próprios. Estudar sempre foi pensar pela própria cabeça o pensamento dos outros.
Voltando a Bolonha, julgo que quase todos parecem esquecer que o velho conceito de "licenciado" nunca foi a criação pelo Estado e pela Escola de um posto de vencimento no quadro do empregador central alimentado a dinheiro dos impostos. Ser licenciado também nunca foi ter licença para um qualquer se inscrever numa ordem corporativa, mas antes ter licença para poder a continuar a estudar em solidão individual, sem dependência face ao sistema de lições, professores, matrículas, frequências, sebentas e exames. Porque há tanto mais empregabilidade quanto o estudante assumir um estado superior de aprendizagem através da formação pessoal. Logo, um licenciado em direito pode ser músico e um engenheiro, Primeiro-Ministro de Portugal.
Se transformarmos as universidades em meros centros de formação profissional, anexos de ordens profissionais e centrais patronais ou sindicais, o primeiro ciclo de Bolonha será um mero décimo segundo ano avançado, o segundo ciclo, uma antiga licenciatura acelerada e o terceiro ciclo, um fingido mestrado de papel e lápis. Isto é, nivelaremos tudo por baixo, e embora possamos esfregar as mãos de contentes, porque conseguimos trabalhar para a estatística, eis que, em nome de unidade, unicitária e unidimensional, destruiremos a a riqueza da diferença, só porque os adeptos da teoria do rolo compressor não conseguem que, nos respectivos genes cartesianos, napoleónicos e até fascizantes, se admita a possibilidade do dividir para unificar da velha complexidade, onde, entre a convergência e a divergência, podem surgir estádios de complexidade crescente, de emergências criativas que permitam aceder ao universal pela liberdade de ensinar e de aprender.
Prefiro, portanto, saudar o resultado do referendo da Catalunha, onde se verifica que as Espanhas se começam a portugalizar, na senda da proposta de Miguel de Unamuno, enquanto certo Portugal, reduzido às bandeiras do BES e de Scolari, continua enredado na vergonha de ter tido razão antes do tempo, lá para o dia primeiro de Dezembro do ano de mil seiscentos e quarenta, quando permitimos a emergência do Brasil.
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