a Sobre o tempo que passa: Do Pato Donald ao Bloco Central, quando ainda há luar

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.6.06

Do Pato Donald ao Bloco Central, quando ainda há luar



Hoje é dia de recordar que, em 1934, nasceu o símbolo do Pato Donald, tal como no ano de 1983, tomava posse o governo do Bloco Central, com Mário Soares e o PS numa fusão comandante com o PSD de Mota Pinto. Um gabinete marcado tanto pela política de austeridade, imposta pelo FMI, e que impôs um corte ao subsídio estadual aos bens essenciais, como pelo processo de formal integração na CEE. Na oposição parlamentar, destaca-se o novo presidente do CDS, Francisco Lucas Pires, anterior ministro da cultura e coordenação científica do último governo da AD.


Os sinais dos tempos são contraditórios. A RTP chega a transmitir a saudação do Grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, Adão e Silva, tal como Bernardino Machado é reintegrado a título póstumo na Universidade de Coimbra (5 de Outubro), pouco antes de D. António Ribeiro denunciar a corrupção moral expressa pelos projectos de liberalização do aborto e de legalização dos campos de nudismo (13 de Outubro). Entretanto, era assinado acordo com os norte-americanos para a utilização da base das Lajes e criada a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, uma forma de institucionalização do sistema de ajudas norte-americanas a Portugal. O novo organismo há-de vir a ser presidido por Rui Machete (13 de Dezembro), sendo um sustentáculo do chamado Bloco Central dos interesses, onde a distribuição de subsídios e o convite para viagens e bolsas de estudo transatlânticas acirra o pró-americanismo da classe política dominante. Enquanto isto, um tal Mikhail Gorbatchev chega a participar no Porto no X Congresso do PCP, quando é excluído o apoio do partido a uma eventual candidatura de Mário Soares à presidência da República (18 de Dezembro).

Volvido mais de um quarto de século, apenas podemos confirmar que o país de hoje é mais continuidade do que evolução face a essa encruzilhada pós-revolucionária. Apesar da integração no projecto europeu, apesar da queda do muro, apesar de Delors, apesar do soarismo presidencial e apesar do cavaquismo governativo. O país continua a esquecer-se do Padre António Vieira, de poeta Fernando Pessoa e do professor Agostinho da Silva. E até continuam alguns frustrados revolucionários em jantaradas com ministros de Salazar, planeando grisalhos regressos ao PREC, ou conspiratas de alcatifa, para que, depois de degolarem a abrilada pela traição, possam ascender ao supremo poder da chefia dos escravos que aceitam ser dos tais contínuos que já não há, para que a revolução passe à mexicana situação do revolucionário institucional, inimigo da tolerância e das saudades de futuro, e tudo continue como dantes, porque felizmente dizem que há luar. Prefiro continuar a ler, ver e sonhar à Walt Disney. Porque vejo, ouço, mas vou calando. Porque devo.