Ontem há-de ser amanhã. Continuamos a ser o sempre.
O escritor Ferreira de Castro, bem qualificava o modelo da salazarquia, ao dizer que o regime do Estado Novo é um permanente inimigo da inteligência nacional... as ditaduras, por muito que durem, são um regime sem futuro. Anote-se! Basta recordar que, no ano seguinte, se dava a Revolta da Sé e surgia o exílio de D. António Ferreira Gomes. Já não bastava comprarem os maravilhas com avenças, para os fazerem, pouco depois, subsecretários e ministros, só porque se assemelhavam a Kennedy e diziam pensar como Kissinger, mesmo que ainda continuem a navegar nas águas salobras da decadência, apoiando e conspirando, nos salamaleques de salão, cujos ácaros nos causam alergias.
É por isso que prefiro recordar que ontem ao fim da tarde se deu o acaso procurado de um encontro de gente de blogues, a propósito do lançamento do livro de um cão com pulgas, com reportagem do jumento, do bunker, do tomar partido, do pululu e do macroscópio, onde coube a este gavião fingir que sabia jogar às cartas, para todos homenagearem uma autora que se confessou discípula de mestre Agostinho, na presença do ofício diário. Porque a Fátima, ao efabular a sua verdade, ao permitir o distanciamento de escrever, quebrou, uma a uma, as cordas que a ligavam a uma realidade que utilizou como pretexto para fazer uma viagem pela memória, por essa terra de ninguém onde o outro, que é o leitor, pode reflectir sobre aquilo que na verdade somos. Deu ao romance o nome de Judas Iscariotes, o tal que, auxiliando o outro à ressurreição, acabou, a posteriori, condenado pelos aparelhos de poder que se auto-santificam.
Estou, evidentemente, a falar do romance São Judas Iscariotes que a nova editorial Cosmos lançou e que, autora e editor, me deram a honra de apresentar, para poder fazer um apelo a certo conceito cósmico de pátria, onde se escreve a dúvida existencial com brutais palavras de todos os dias, onde se viaja pela complexidade da memória, com a angústia criativa de um vazio de sistema salvífico, fazendo muitas perguntas sem a ilusão de poder haver decretinas respostas, ou interpretações autênticas, vindas de fora para dentro, ou de cima para baixo. Ontem há-de ser amanhã. Continuamos a ser o sempre.
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