a Sobre o tempo que passa: Onde a chegada da andorinha pode fazer a Primavera no sertão

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.9.06

Onde a chegada da andorinha pode fazer a Primavera no sertão

Aquilo que aqui, no hemisfério do cruzeiro do Sul, é o fim do Inverno e a chegada da primavera corresponde nametade do mundo que vive sob a estrela do norte, ao fim do Verão e à entrada no Outono, assim se confirmando como tudo é relativo nesta esfera da Terra, onde um papa já não pode fazer nota de pé de página sobre um imperador bizantino que não gostava de ser invadido. Mas aquilo que vem em todos os manuais da geografia e do pensamento, quando sentido no próprio sítio, em dia de eclipse solar, permite que todos possamos confirmar a teoria perspectivista do conhecimento, segundo a qual não há factos, mas apenas um eu, o pensante, diante das circunstâncias, do movente, pelo que apenas temos interpretações dos factos que pensamos ver, sentir e ouvir.

Que aqui, com pancadas de chuva no cerrado, anunciam-se vagas de calor provocadas por El Nino, que é coisa que vem do Pacífico. De qualquer maneira, com as pancadas se lavou a poeira e reverdeceram as ervas e as árvores, voltando a emergir as flores da secura do sertão. É por isso que desliguei dos relatórios que recebo de Lisboa dos ilustres especialistas em engenharias curriculares, sistemas de avaliação e manuais de planejamento estratégico, com muitas traduções em calão de fotocópias importadas, ou de copy and paste pirateados da Net.

Reparo que ser professor em plenitude implica esquecermos tudo o que analisamos e sintetizamos em relatórios metodológicos e palhas curriculares, feitas para se garantir o cursus honorum, quando, esquecidos dos concursos e das obediências do temor reverencial, já conseguimos comunicar à comunidade científica algo do nosso acrescentamento criativo, alguma coisa da nossa emergência inventiva que vá além do baralhar e dar de novo, do sistema sebenteiro sintético-compendiária. Esse algo a que chamamos cultura, porque cultivamos sobre aquilo que herdámos.

Tal acontece sempre que ao darmos uma aula ultrapassamos o sumário ou programa e sentimos que naquela fecundação do eu professoral com a circunstância dos aluno passamos a vibrar criativamente, chegando, de novo, ao sétimo dia da criação, como na plenitude dos próprios actos de amor. Como quando a imaginação nos mobiliza e o sonho já marca o ritmo do discurso, desse logos, a que demos o infeliz nome de raisonner, quando conseguimos acalentar a frieza bibliotecária quase cadaverosa, transformando-nos nas pedras vivas do tempo que passa.

E tudo aqui reflicto para agradecer à meia centena de inscritos no curso de extensão que aqui comecei em dia de chagada da primavera, na sala B-132 do complexo João calmon desta cidade universitária, quando pensava que a propaganda de um cartaz de papel que a Net reproduziu, dois dias antes, não trazia tantos vibrantes auditores, com alguns mobilizados pelo próprio boca a boca.

Porque, para professor, primeiro está a aula e depois o capítulo, como ensinava Mestre Hernâni Cidade, decidi abster-me das questiúnculas decadentistas que, por mail e telemóvel, me chagavam de Lisboa. Até porque também assinalava a chegada de uma andorinha que breve me trazia sinais de um sonho que posso viver.

A universidade lusitana,apesar de marianamente gaga, continua muita confusão de carreirismos, dependentes de sucessivas maiorias conjunturais, nessas associações de egoístas chamadas conselhos científicos, onde não se faz ciência, mas fingimento de democracia num sistema que tanto é corporativista como hierarquista. A minha análise sobre a campanha eleitoral brasileira vai continuar. Peço desculpa por esta interrupção. O programa segue dentro de momentos.