a Sobre o tempo que passa: Brasil é Ruy Barbosa mais Chico Xavier... sabem quem são, gentes do Puto?

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

15.9.06

Brasil é Ruy Barbosa mais Chico Xavier... sabem quem são, gentes do Puto?

Uma revista de grande circulação, cá do Sul, a "Época" decidiu escolher os mais destacados brasileiros da história, tanto pela escolha feita por um júri de 33 personalidades, como por uma votação popular, via Internet. A elite escolheu Ruy Barbosa. O povão preferiu o espírita Chico Xavier. Reparo, como entre os candidatos da elite, aparecem nomes como José Bonifácio ou o Padre António Vieira, bem como escritores como Machado de Assis e os outros habituais heróis brasileiros, de Juscelino a Getúlio Vargas, enquanto o povão andava mais pelo Ayrton Sena e pelo Pelé. Isto é, num tempo de crise de personalidades, o Brasil vai ao passado buscar os seus signos unificantes, assim se demonstrando como uma nação é uma comunidade de significações partilhadas.

Reparo como vão decrescendo os símbolos comuns à lusofonia. Noto como nas bancas populares ainda circulam em edições de bolso alguns dos nossos clássicos como Eça e anoto que Pessoa ainda aparece num qualquer supermercado, mas temo que a nova era da globalização nos pode distanciar, dado que não me parece que baste Saramago. Vale-nos São Futebol, onde o nome de Scolari faz sempre primeira página e onde também aparece o Deco aqui e ali, mas já sem memórias de um Otto Glória e de outros da mesma geração que nos ensinaram ao processo artístico do pé na bola e muita finta.

Ganhou o Ruy e muito bem. Pelo menos recorda-se alguém que foi quatro vezes candidato a presidente da república e perdeu sempre, quando os adversários da república musculada e militarenta lhe chamavam o Rui Verbosa, só porque tinha razão antes do tempo e clamava para esta terra a tripla exigência do abolicionismo, do civilismo e do federalismo. Que viva o baiano que, quando em 1916 foi apresentado o projecto de código civil ao congresso, num trabalho de Clovis Bevilacqua, decidiu trabalhar até altas horas na sua residência, com candelabro atado ao pulso por uma argola, e fazer cerca de mil e oitocentas emendas ao texto. Isto é ficaram mais as emendas do que a intenção de Clovis, para que assim se revogassem nesta terra os restos de Ordenações Filipinas que continuavam em vigor.


E tudo isto para continuar a confirmar que, em muitos casos, o Brasil que resta é mais português do que o próprio Portugal. Desde o direito, por causa da permenância das Filipinas, até meio século depois de termos aprovado o Código de Seabra, até ao próprio linguajar. Segundo os peritos, Camões teria mais sotaque português do que o actual ritmo da nossa preponderância da sílaba tónica, engolindo o resto. Que isto das periferias dos Impérios é mais fiel ao passado do que as antigas metrópoles. Até um professor de origem japonesa aqui da UNB me confirmou que Tóqui vem aqui estudar o japonês do pré-guerra, entre os emigrantes do Sol Nascente estacionados nesta terra de Vera Cruz...