a Sobre o tempo que passa: Por aqui ainda há povão, carroças e saloios

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.9.06

Por aqui ainda há povão, carroças e saloios

Todos os dias quando acordo, aqui na residência universitária, vejo da janela uma família que habita sob um oleado, encostado ao parque de estacionamento do "campus". Mais adiante, vai chagando carroça com um desses saloios dos arredores que vem à cidade vender verduras e fruta. Reparo como o povão destas grandes massas ainda vive em regime de "docta ignorantia", não entendendo o discurso da elite politiqueira, mesmo a que vai cantarolando a causa operária. Também aqui este zé povinho não entende o exotismo de quem faz desta terra sítio de episódico turismo tropical que procura manconha, espiritismo ou sexo abrasador, quando burgueses e "yuppies" do mundo WASP se embedam de hedonismo terceiromundista, apagando, com dólares, euros e cartões de crédito a ética do puritanismo protesto que os fazem produtores austeros e cidadãos pacatamente silenciosos no dia a dia dos seus cinzentos nórdicos.

Porque o grande espaço deste Estado Continental, sem perspectivas hegemónicas ou expansionistas, apenas está condenado a crescer por dentro, transformando o povão em baixa classe média, mas correndo o risco de se fechar sobre si mesmo, sem assumir a missão que lhe cabe no mundo, que é a de contribuir para a mobilização da comunidade lusíada e, a mesmo tempo, sustentar a solidariedade com o mundo dos hispanos, para que valores universais como a democracia e o pluralismo, não continuem a ser traduzidos pelos calão, do anglo-americano.

Por tudo isto, sabe bem não saber novas da lisboetice capitaleira e politiqueira, dos cavacos, mendes e socráticos, desses que pensam ter como missão o civilizarem o que resta da nossa província, desde que deixaram de sai vapores da foz do Douro para o Brasil e bacalhoeiros, de Aveiro para a Terra Nova. O pior é que nesta ambição neocolonizadora os capitaleiros vão continuando a oprimir o que resta das nossas serras, assumindo-se como agentes colonizadores das novas potências da globalização. Felizmente que durante uns tempos continuarei liberto dessas teias de aranha mentais que vão entretecendo o que resta de uma classe política de pretensos controleiros da nação.