a Sobre o tempo que passa: A comunidade de significações partilhadas a precisar de investimento nas raízes...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.9.06

A comunidade de significações partilhadas a precisar de investimento nas raízes...

Para os que continuam a dizer que estou de férias, apenas anoto que entre as 18 horas locais de ontem e as 1o horas também locais de ontem, averbei seis horas de aulas, quatro de pós, para doutores e mestres, e duas de graduação, para além de um prévio estágio no sistema não privado de saúde aqui do país, devido a uma complicação de ouvida, garganto-narigal, depois de sofer estas amplitudes térmicas sertanejas, com chuva e necessidade de hoje usar camisola. Apenas anoto que sabe bem ter que entrar em competição técnica nas minhas áreas com colegas de uma universidade que inspirou a criação em Portugal da ciência política e das relações internacionais, tentando confirmar se temos lugares comuns que permitam o diálogo e suficientes significações partilhadas que nos façam comunidade também universitária. E nada melhor do que sentir o quotidiano dos claustros de escola, quase com as mesmas grandezas e misérias de todo o lado. Vim aqui para ensinar, mas sobretudo para aprender...


Tenho andado a fazer uma peregrinação pelas nossas raízes comuns, em matéria de origem do político, tendo em vista a matéria de relações internacionais. Reparo que aqui chega bem mais seleccionadamente a central de conformação de conceitos do sistema anglo-americano, sendo traduzidos manuais de forma mais expedita, apesar de haver uma geometria variável de aulidades no sistema universitário brasileiro, onde, felizmente, há mais pluralidade de paradigmas do que na pequena casa lusitana, onde ainda são quase esmagadores os mestres-pensadores que nos continuam atraduzir em calão muitas modas que passam de moda.

Bem tenho pensado nesta emergência de um novo mundo lusíada do político e ainda ontem meditava na circunstância da formação do Brasil ter acompanhado a própria emergência do modelo pós-medieva, com Estado e Soberania, coisas que não existiam quando Pedro Álvares Cabral aqui desembarcou, antes de Maquiavel ser ditado postumamente e de Bodin ter teorizado a soberania. Aliás, no âmbito das revoluções demo-liberais do espaço ocidental, as revoluções sul-americanas, ficam situadas depois da inglesa, da norte-americana e da francesa, mas antes da primavera dos povos da Europa Central e Oriental, tendo o Brasil até exportado para Lisboa uma cópia constitucional que, entre nós, durou mais de meio século, nestas trocas e baldrocas políticas que nos fazem irmandade efectiva.

Mandaram-nos para a Lusitânia a Carta Constitucional, o partido dos brasileiros, ou chamorros, vencedor da guerra civil de 1828-1834, e a nossa querida D. Maria II, bem como, depois nos atiraram o positivismo republicano, com os brasileiros Sebastião Magalhães Lima e Bernardino Machado, tal como nós mandámos o Imperador, o Estado Novo e os constitucionalistas de 1976, talvez para compensar a circunstância de os últimos tempos do regime derrubado em 1974, ter sido pautado ideologicamente pelos modelos do Estado de Segurança Nacional de Golbery, para não falarmos nas relações de Gilberto Freyre com o almirante Sarmento Rodrigues, no lusotropicalismo. Está na hora de continuarmos este esforço, agora em conjunto com a própria CPLP. Basta assinalr como hoje foi emotivo o encontro com uma estudante cabo-verdiano, nesta pluralidade de pertenças do espaço de língua portuguesa. Basta relermos o Padre António Vieira, o José Bonifácio ou o Agostinho da Silva, para percebermos a urgência de superarmos a velha retórica dos Estados Unidos da Saudade, dado que os mesmo deixarão de existir se não fizermos investimentos culturais de povo a povo.

É por isso que depois de amanhã irei tentar viver a festa do dia da independência do Brasil, mas bem gostaria de poder ter comigo um arquivo que contivesse o discurso do presidente António José de Almeida, em 1922, quando aqui veio comemorar os cem anos do Ipiranga, proclamando vir agradecer ao Brasil o facto de se ter tornado independente. Precisava de o comunicar aqui no meu espaço de diálogo universitário, antes de poder começar minhas pesquisas na biblioteca do Senado, para refazer o espírito de Silvestre Pinheiro Ferreira e de Morais de Carvalho.


Já agora, faço outro pedido à comunidade dos meus leitores. Precisava que me enviassem para mim, para Universidade ou para outro ponto de acesso público o magnífico trabalho do esquecido António Vianna, Apontamentos para a História Diplomática Contemporânea, especialmente os dois prmeiros volumes, de 1901 e 1922, dado que um dos nossos principais historiadores das relações internacionais, não entrou no comércio das citações, tanto cá como em Lisboa. Mas aqui faz mais falta esse testemunho de um familiar de José da Silva Carvalho, o tal liberalão pedrista e azul e branco, chefe do partido dos chamorros. Se alguém consegue chegar ao Nuno Viana de Siqueira, descendente da família, agradecia. É uma tarefa urgente para a pátria comum da lusofonia. Às vezes, quando nos expatriamos nas nossas próprias origens, mais super-nação podemos voltar a ser.