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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.9.06

Trago comigo um nome libanês, sem o saber

Cá continuo vivendo este quotidiano sertanejo em campanha eleitoral unidimensional que à mesma hora e em todas as estações de rádio deste grande espaço nos traz os mesmos candidatos, o tal "newspeak" ao serviço de um "big brother" democrático, numa lenga lenga discursiva onde ninguém consegue distinguir a direita da esquerda, dado que o situacionismo de esquerda assume poses de estadão e a oposição de direita brinca à demagogia esquerdista. Só desalinham as candidaturas marginais da extrema-esquerda, dos religiosos protestantes ou do populismo que usam e abusam do tópico corrupção, com muitas palavras que metem "mensalão" e "sanguessugas". Por outras palavras, nesta campanha não se discute política nem se vende ideologia.

O lulismo perdeu a ganga do messianismo libertacionista que o marcou e o propagandismo tornou-se numa espécie de normalidade não dramática. O povão continua a discutir os casos do dia policiais, onde um assassinato no Rio de Janeiro é discutido num barbeiro da Amazónia, nesta emotiva e avassaladora comunidade de significações partilhadas, onde a comunicação social desempenha um lugar relevante na unidimensionalização das emoções. Acontece também que esta democracia institucionalizada também se tornou enfandonha, sobretudo quando as grandes questões que marcam o ritmo parlamentar aqui no Planalto se recobrem com a ganga juridicista e regulamentarista, naquilo a que infelizmente dão o nome de Estado de Direito.

As grandes massas da geografia da fome continuam aviver num ritmo de multidão solitária, porque se na Europa da UE há dois terços de remediados que vão vivendo menos mal, por cá há dois terços de excluídos, dada a ausência de uma equilibrante classe média. Resta saber se esta gente aparentemente massa não pode explodir de um momento para o outro em revolta. Nem que seja pela fome de justiça. Tudo depende da circunstância da comunidade internacional poder entrar em "out of control".

Por estas razões decidi ontem ir a um comício, por acaso num establecimento policial, promovido pelo modelo sindical deste Brasil do PT, e reparei como o discurso dos líderes locais é bem mais afectivo do que o enfandonho dos tempos de antena. Aborda-se o concreto, nota-se fé no pluralismo e na participação e não existe agressividade ideológica. Curiosamente, ao começo da noite fui a um espectáculo de música indiana, no belo e largo espaço do auditório do sindicato dos bancários de Brasília e reparei como esta intervenção cultural dos sindicatos assume uma dimensão que já perdemos na Europa das centrais sindicais à procura do subsídio do Fundo Social.

E não foi por acaso que fui à música indiana. Onde até havia um violinista chamado Narayane, como o outro. Foi numa viagem à Índia que Pedro Álvares Cabral descobriu oficialmente a terra brasil, foi por causa do triângulo Portugal, Brasil, Índia que demos novos mundos ao mundo, escapando-nos da tenaz das cruzadas que marcava Roma e a Europa do Norte. Decidimos ir além, baralhando e dando de novo, fugindo, então, à tradicional crise do Médio Oriente. Hoje, entramos na fila dos que costuma tratar os assuntos do Levante com os pés.

Também reparei, ao consultar a lista das famílias com o meu patronímico estabelecidas no Brasil desde o século XVIII. As mesmas que também foram para Portugal na mesma época, que o meu nome de família, vem da ilha de Malta ou Melita, um antigo nome fenício para "refúgio", coisa que os portugueses justamente traduziram para "porto seguro". Cheguei assim à conclusão que trago comigo, sem o ter sabido até agora, um nome libanês, dado que nunca acreditei na tese que dava à ilha um étimo grego que quer dizer o mesmo que "mel".

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