a Sobre o tempo que passa: Cenas da nossa tragicomédia para "épater le bourgeois"...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.3.07

Cenas da nossa tragicomédia para "épater le bourgeois"...

Nova semana que vem. Sporting protesta jogo de Leiria, continuam incidentes em Timor, sem ser por causa de Paulo Portas, na sua vontade de se assumir como criador numa instituição onde a pretensa criatura já lá estava quando ele ainda era militante da JSD. As circunstâncias revelam grande criatividade, dado que voltam as bocas de Narana e as reflexões senatoriais de Miguel Anacoreta, sem que desta Adriano Moreira emita carta conjunta com outros presidentes do partido ainda inscritos. Esperam-se, a todo o momento, sensacionalistas declarações de Manuel Monteiro, entretanto mobilizado para uns estados gerais da direita dele, no dia 11 de Março, em plena Faculdade de Direito de Lisboa, com a participação de Paulo Otero. O tapete vermelho de Portas está cheio de espinhos, dado que pode ser eleito em directas um presidente do partido, mas mantiveram-se os indirectos membros do grupo parlamentar que ele, noutra encarnação, forjou. Se isto é a direita, eu continuo a ser da extrema-esquerda.

As aulas da Universidade Independente vão ser retomadas. O povo continua sereno. O ministro, a inspeccionar. E a preparar as futuras leis que vão pombalizar a instituição que D. Dinis instituiu, já lá vão uns séculos. Agora, nesta era de engenheiros, todos esperam que acabe por vigorar a mentalidade de DCP, com subsidiocracia à mistura, onde, por via decretina, meia dúzia de burocratas que se pensam iluminados, assumem o ridículo de determinarem o que é bom ou verdadeiramente científico, como se a história alguma tivesse dado razão a estatutos pombalinos e a compêndios históricos, mesmo quando são invocados pelos discípulos de Saint-Simon e de Auguste Comte que outrora foram adeptos do socialismo científico.

Infelizente, nem sequer temos direito a uma assembleia-geral sobre a OPA em curso, onde uma qualquer jovem aluna do Padre Gregório pode fingir que ganhou as Olimpíadas da Matemática, sendo entrevistada pela TVI e tudo. Por mim, preferia que Paulo Portas tivesse ido doutorar-se para os States e que agora fosse o iluminado ministro das ciências, dado que Veiga Simão ainda podia regressar, vestido de Roberto Carneiro, nessa ilusão cientificista do nosso velho lastro positivista, com que costumamos "épater le bourgeois".

Por mim, carimbado com o título de ciências ocultas, até porque nunca fui maoísta nem trotskista nos tempos quentes das traduções em calão do Maio 68, resta-me a angústia de gargalhar e de assistir às repetições das cenas dos confrontos em Santa Comba Dão, sem transmissão em directo pela RTP desse novo episódio do concurso sobre os grandes portugueses. Porque foi preciso esperar pelo governo de Sócrates para ver na cidade, em grandes cartazes, as carantonas de António Cunhal e de Álvaro Salazar, sem ser em campanha eleitoral. Não faço parte do sindicato dos historiadores oficiais do regime, para lavrar o meu protesto. Apenas subscrevo as justas palavras que Manuel Alegre emitiu através do seu MIC.