a Sobre o tempo que passa: Da espuma suja das marés vivas que periodicamente nos visitam

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.3.07

Da espuma suja das marés vivas que periodicamente nos visitam

Ontem não emiti o meu habitual postal, porque não tive direito de acesso silencioso ao meu computador, atarefado que andei na entrega ao meu conceito de serviço público e à prática da minha ideia de missão, para poder viver como penso. Comecei o dia por receber no espaço da minha aula, uma conferência do meu colega do ICS, Professor Doutor José Manuel Rolo, sobre a questão da corrida às armas, numa turma onde andamos a dar Platão, porque nada de mais humano do que metermos os pés no chão e na lama, quando tratamos de estudar a procura do melhor regime e do dever-ser que é. Todo o transcendente tem que ser situado nas circunstâncias do tempo e do lugar, só acedemos às essências através das existências e até o direito da razão tem conteúdo variável.

Depois, tive uma longa e pouco esclarecedora reunião com o meu patrão da função pública que resta na universidade, o meu presidente do conselho directivo, antigo e ilustre coordenador-geral do PRACE, bem como alto representante do partido que, neste momento da conjuntura nacional, detém a maioria absoluta. Fui-lhe comunicar que, de tarde, iria constituir uma associação privada com fim público, federadora de liberdades académicas visando a defesa de uma ideia institucional de universidade, de pátria e de liberdade, de que darei novidades dentro de breves tempos. Não lhe fui pedir nada.

Apenas recordo que a minha escola não nasceu de um decreto do poder estabelecido, mas da iniciativa de homens livres, os fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, quando Portugal ainda era demoliberal a nível do poder político e cumpria objectivos nacionais, fazendo aliar o poder ao saber, pelo reconhecimento da autonomia das pessoas e da autonomia da sociedade civil. Aliás, quase todas as unidades integrantes da Universidade Técnica de Lisboa nasceram da livre iniciativa da sociedade civil e entraram no sistema do público ensino superior "a posteriori", obrigando a própria Ditadura Nacional a reconhecer que a universidade como uma federação, ainda hoje estatutariamente consagrada. Nunca fomos coisa napoleónica, suceptível de fundação de um qualquer artigo do decreto orçamental, jacobinamente engenheiral.

Como federalista que sou, mantenho assim a ideia antinapoleónica e antidecretina, mantendo a minha interpretação do que foram as sucessivas fundações de academias, desde a platónica àquilo que um antecessor meu praticou com a AICP, embora prefira fugir ao decretino, em nome da autonomia das pessoas e dos próprios grupos que elas constituem, a que alguns dão o nome de autonomia da sociedade civil , num momento em que importa praticar a liberdade de expressão de pensamento e a própria liberdade de investigação.

Daí não me apetecer comentar as notícias políticas de hoje, sobre as movimentações santanistas e porteiras e a consequente fragmentação dos partidos da chamada oposição. Nem sequer me espanto com as parangonas do jornal "Público" sobre a situação académica de José Sócrates, porque já tinha lido tudo, há muito tempo, na blogosfera, nomeadamente no Portugal Profundo, do antigo aluno do ISCSP, Balbino Caldeira que assim vê consagrado o pioneirismo investigativo. O resto não passa de espuma suja das marés vivas que periodicamente nos visitam.