Para além da venalidade, da boçalidade e da maldade
Porque sempre me fascinaram aqueles actores políticos que, apesar das extraordinárias qualidades que marcam os homens de génio, acabaram vencidos pela vida, quando as ciclópicas tarefas das circunstâncias os esmagam em derrotas políticas. E mais desafiantes são quando, sendo homens de pensamento, treinados pela teoria ou pelo estudo da história, acabam por não poder responder aos desafios daquilo que considerararam a respectiva missão.
Em contraste, há outros que não chegaram antes ou depois do tempo e, apesar de marcados pela venalidade, pela boçalidade e pela maldade, conseguiram os vícios privados em virtudes públicas e ainda hoje enchem as ruas e praças do país com placas inauguratórias, mesmo quando lançam foguetes e recebem vivório pelos investimentos feitos pelos antecessores que nem direito a pé de página merecem, nas crónicas dos homens de sucesso.
Marcello, um pouco como D. João VI, faz parte da lista dos derrotados políticos, assinando a perda do último império africano, tal como o pai do Imperador do Brasil viu amputada a parcela principal do seu sonhado Reino Unido. Aliás, o último presidente do conselho do regime derrubado em 1974, que só exerceu o consulado nos últimos cinco anos e meio dos 48 anos de interrupção autoritária que nos marcaram, ficará nos anais mais como criador do estilo da sua faculdade, onde, se sempre ousou defender a respectiva herança institucional, não teve, depois, coragem, ou condições, para restaurar a lusitana antiga liberdade.
Mas não podemos esquecer que esse ideólogo do Estado Novo teve a honra de repor o seu inimigo político, Afonso Costa, no lugar de fundador da escola, tal como estudou e homenageou a personalidade de Mouzinho da Silveira. Ou como moveu diligências para que se acolhesse em Lisboa o maior jurista do século XX, Hans Kelsen, quando este fugia às perseguições hitlerianas.
Infelizmente, não admitiu a institucionalização de partidos e não ousou avançar numa paz dos bravos com os movimentos de libertação africana, mas muitas micro-histórias locais consignar-lhe-ão sinais de neofontismo e muitas páginas de guerra terão, desse tempo, heróis e até alguns mártires. Ele apenas é o espelho de um certo tempo português.
Apesar de tudo, poucos lhe poderão apontar a categoria de traidor, da mesma forma como os anais diplomáticos não lhe dedicarão páginas de desonrosa negociação, ou de portas artificialmente fechadas. Aí está o acordo de associação com a CEE, nesse hibridismo lusitano que sempre jogou em todos os tabuleiros, preparando alternativas futuras.
Não foi Pompidou, porque Salazar também não tinha sido Charles de Gaule e a guerra impedia-o de fazer o jogo de Adolfo Suárez. Já comendo o pão amargo do exílio esperado, pode ter-se zangado e polemizado, principal através de emissários e mensageiros, mas, nesta terra brasil, deixou um legado de pensamento universitário que constituirá um elemento de peregrinação obrigatória para quem mantenha uma certa perspectiva universal de Portugal.
Mas não vale a pena corrermos à cata de minúsculos sinais reformistas para o homenagearmos. Basta pensarmos no governo que poderia ter constituído no começo da década de setenta, atendendo aos colaboradores que mobilizou, em certa altura, e aos colaboradores que deveria remobilizar. O posterior sistema político ficaria sem cabeças e até a banca e a vida empresarial recentes, lá teriam deixado semente. Aqui fica a provocação:
•M. Presidência: Francisco Sá Carneiro
•M. Finanças: Manuel Jacinto Nunes
•M. Estrangeiros: Diogo Freitas do Amaral
•M. Interior: Adriano Moreira
•M. Justiça: Afonso Queiró
•M. Defesa: Francisco da Costa Gomes
•M. Ultramar: Veiga Simão
•M. Ilhas: Mota Amaral
•M. Educação: António Alçada Baptista
•M. Assuntos Sociais: M. Lurdes Pintasilgo
•M. Coordenação Económica: João Salgueiro
•M. Indústria: Rogério Martins
•M. Comércio: Xavier Pintado
•M. Agricultura: Mota Campos
•M. Saúde: Baltazar Rebelo de Sousa
•M. Comunicação Social: Francisco Pinto Balsemão
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