Redemoinhos e "mainstream"
Acontece que as bacias hidrográficas tanto podem ser no universo da blogosfera, dos corredores de um partido, dos jornais de referência ou dos semanários de fim de semana. E mais redemoinho há, se tudo se conjugar num título que o "Expresso" reproduza ou que um telejornal propague, chame-se a coisa Ota, Opa, licenciatura de Sócrates ou regresso de Paulo Portas. Nem a vontade de contra os bretões marchar, em nome dos heróis do mar, onde em vez de bretões pusemos canhões, nos pode valer.
Por isso, vou largar este universo da blogosfera durante uma semana, pois irei ao Rio de Janeiro conferenciar no Real Gabinete Português de Leitura, para levar o meu testemunho sobre a dimensão política e académica de Marcello Caetano, num registo bem contrário aos modelos analíticos em que estamos a redemoinhar por causa do concurso televisivo sobre os pretensos "grandes portugueses".
Apenas reconheço que vivemos um momento de encruzilhada. Consta até que, depois de Durão Barroso nos ter abandonado, chegou a vez de Álvaro Vasconcelos, que não é licenciado pela UnI, ao mesmo tempo que vai anunciar-se para breve uma grande instituição de reflexão política nascida da conjugação de vontade de porteiros com santanistas, com grande apoio do novo farol do ocidente que são os subsídios norte-americanos e donde pode resultar mais uma dessas magníficas universidades privadas, dado que a soma de um professor de direito constitucional e ex-primeiro ministro com um ex-professor de história das ideias políticas e ex-ministro de estadão que, não por acaso, se sucederam outro a um na direcção do centro de sondagens da universidade moderna são pergaminhos de inequívoca cientificidade que deixarão Gago de voz ainda mais platonizante.
Eu que sou assumidamente contra-corrente, nem por isso costumo ser inundado de mails de protesto, mas desta feita, por causa de Sócrates, recebi significativas cacetadas, tanto à direita como à esquerda. Pouco me importa. O meu estatuto de homem livre está nos testemunhos quotidianos que aqui deixo, mesmo quando cometo erros ou vou a tribunal assumir-me como testemunha de defesa de malditos, sejam o Professor Manuel Almeida Ribeiro quando foi vítima de Paulo Portas, o Professor José Júlio Gonçalves em Monsanto ou o Balbino Caldeira no Tribunal de Alcobaça quanto a certas interpretações do Ministério Público, da mesma maneira como não me importo de defender a extrema-direita contra certos devaneios policiais ou passar a ser vítima da mesma nos processos eleitorais da minha escola ou na negação dos arrastões de Carcavelos. A verdade e justiça costumam ser da contra-corrente, porque as maiorias conjunturais, mesmo que sejam absolutas, podem ser contra a opinião da melhor parte, isto é, dos que pensam de forma racional e justa.
Com cumprimentos e fidalguia, veio da direita o seguinte: O problema não está na necessidade de um eventual requisito académico para o exercício de cargos públicos. O problema está em usar-se um título académico e profissional a que se não tem direito, acto ilícito e eticamente condenável em relação ao mais comum dos mortais. E maior problema ainda está na legalidade de uma suposta equivalência, grave tanto para um qualquer Sócrates como para um qualquer José de Sousa. E não menos grave ainda a omissão de agir de vários organismos do Estado quando há muitas semanas ou meses foi solicitada uma investigação que apurasse eventuais irregularidades. Sobre o essencial, Vossa doutíssima senhoria passou ao lado...
Mais cáustico foi o mail que escolhi, entre os variados protestos de esquerda: Claro que sim, Professor, longe de mim querer que o primeiro entre os meus seja o melhor entre todos, que seja licenciado ou que, não sendo, o assuma sem complexos como o gozado metalúrgico Jerónimo ou o glosado Nobel Saramago. Se na democraC.I.A. que nos ilumina com o facho da liberdade estatuária se podem eleger doutores da mula ruça, não vejo por que razão este país emburrado não há-de ter como paladino um mestre na manha de bem cavalgar toda sela e "Da folgança que se desta manha segue".
Isso de estudar e de empenhar o futuro em propinas e sebentas académicas não tem mérito nenhum; meritocrático é não estudar, empunhar um passado forjado à custa da propina sebenta, da peita que se ostenta ao peito, e ascender socialmente…”à Alves dos Reis”, negociando com os compadres de partido um título nobiliárquico republicano galhardamente exibido na sua biografia oficial. Sim Senhor, com a devida vénia genuflicta, “Sócrates, no plano de carreira política, é mais do que mestre e do que doutorado e agregado, estando ao lado de muitos outros homens políticos das democracias da melhor cepa”.
Também eu me penitencio por ter duvidado das qualidades desta providência de província e por não acatar beatamente o dogma deste papado personalista. Também eu faço a apologia de Sócrates e proclamo que a este Homem sagrado não se podem aplicar as regras dos homens profanos: a cadeira do poder não pode estar dependente da aprovação numas míseras cadeiras universitárias e o selo da República do zelo da academia; nem quero saber o que diria Platão deste Sócrates porque a investidura é divina e o investimento na sublimação legítimo, mesmo que se molhem umas mãos ou se conspurque a consciência… a água socrática é da benta!
Perdão porque, afinal, também eu leio toda a história deste eleito da ínclita geração como um manual de virtuosas benfeitorias; pôr em causa em causa a rectidão de alguém que se apresenta como mestre não licenciado que se pós-graduou em engenharia sanitária antes de concluir o bacharelato, é uma vilania salazarenta (ao contrário de discutir durante meses a fio o recto do homem que, presumo, seja heroicidade progressista!!!).
Sim Senhor, isto é que é um regime que depende “apenas da qualidade dos indivíduos, independentemente daquele falso doutorismo que continua a julgar que o hábito faz o monge”. Não Senhor, vestir batina não dá a ninguém o direito de celebrar a missa, provar o vinho e o corpo de Deus ou dos petizes que estiverem a jeito; para isso é preciso cair nas graças do Senhor e da santa madre igreja e esperar pela cumplicidade do Estado de direito.
Sugiro até, em jeito de sacrilégio, que substituamos todos os hábitos fradescos pelos costumes da democracia! Como diria, pela pena de Camilo, Tibúrcio Pimenta: “este país gangrenado ainda podia salvar-se com uma grande amputação”. A minha pena é que o Professor queira desempenhar o papel do cónego e diga que “ninguém lá fora me cheira a gangrena. Reinam os reumatismos e os catarros; mas, quanto a podridão, não sei de nenhuma, fora dos hospitais”. Sobre o ministro da terceira é tudo, mas lembre-se que os desiludidos da vida ensinaram-nos tudo sobre a ascensão dos Abranhos e dos Acácios deste país…Onde é que eu terei ouvido este nome?!
Reclamando um novo espírito para o Estado, mudei o meu Estado de espírito: Resistir é Vencer! Contra os intrujões, marchar, marchar!!! Cumprimentos revoltos
PS: Sei bem que a verdade não é um bem absoluto, mas a mentira tornou-se num mal demasiado banal, the currency of power. A indignidade não está na falta de formação, mas na ocultação e deformação da informação. Aliás, se me perguntarem retoricamente se prefiro um chefe de governo ungido pelo carisma e pela competência ou agraciado pela academia e pela inteligência, responderei sempre: caramba, entre dez milhões de habitantes, não há ninguém que reúna ambas as condições?
....sendo o primeiro “pós graduado” da família far-me-á a justiça de reconhecer que não meço a qualidade das pessoas pela quantidade dos seus diplomas, mas ninguém me pode impedir de avaliar a integridade de um homem pela veracidade dos seus actos.
Deixo-o com um Passatempo, à laia de desconstrução posmoderna.
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“República de Catedráticos, herdada do salazarentismo. Aliás, _______, …beneficiou de um passagem administrativa, conseguida por um decreto da ____ República, na sua fase_________”
Soluções alternativas: Salazar, I, Sidonista Ou Sócrates, III, Guterrista
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