a Sobre o tempo que passa: A antiquíssima lógica do homem de sucesso continua a considerar que o poder pelo poder vale sempre uma qualquer missa.

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.5.07

A antiquíssima lógica do homem de sucesso continua a considerar que o poder pelo poder vale sempre uma qualquer missa.

Marques Mendes continua entalado entre Carmona Rodrigues e Alberto João e nada como a campanha eleitoral madeirense para confirmarmos como a democrática personalização do poder é susceptível de gerar um absolutismo democrático, tanto nas urnas como nas ruas, onde o sindicalista político que instrumentaliza a autonomia reaviva o processo bonapartista de usurpação da legitimidade racional-normativa, assumindo-se como um novo césar de multidões. Repetindo o modelo que destruiu a República de Weimar em 1933, chegou ontem ao cúmulo de qualificar os adversários como a mistura do nacional com o socialismo, depois de, há dias, em delírio, identificar Louçã e Monteiro como fascistas. Se a comédia não fosse trágica, bastava pôr o político em causa de cuecas num qualquer Carnaval.

Só que estes discursos de persiganga pegam-se e já vi Jerónimo de Sousa ser ofuscado pelos restos de estalinimismo que marcam o respectivo grupo a pedir que mais uma vez se partam os dentes ao que considera reacção, onde, depois do que qualifica como extrema-direita se seguem os sucessivos vizinhos, na conhecida táctica do salame, como se a Rua Soeiro Pereira Gomes tivesse legitimidade para emitir, em regime de monopólio, certificados de comportamento antifascista, ou de condecorações da ordem de Lenine, para os heróis da luta contra o totalitarismo. Rejeito que a democracia a que chegámos se transforme num jogo do rapa, tira, deixa, põe...

Porque as metodologias e os subsolos filosóficos que ainda marcam as cabecinhas e as idiosincrasias de antigos activistas dos totalitarismos de extrema-direita e de extrema-esquerda, tardiamente convertidos ao pluralismo, são especialmente ressurgentes quando, em vez de um espontâneo processo de amadurecimento, lhes sucede a recidiva. Que até pode ser um desses encontros imediatos de primeiro grau provocados pelo oportunismo carreirístico que lhes deu a ilusão da conquista do poder.

Indo estes falsos Saulos, a caminho de Viseu, pelo que julgam ser a estrada de Damasco, a luz que pensam vir-lhes do alto pode ser a continuidade da nebulosa índole saneadora e inquisitorial, onde apenas há mudança no objecto da persiganga. E, graças à pretensa viradeira, ei-los que passam de revolucionários a reaccionários, ou vice-versa, por obra e graça do mero preenchimento de uma ficha partidária, onde até se aliam a antigos adversários de objectivos, mas que sempre com eles coincidiram na mesma metodologia totalitária. Porque todos eles continuam a considerar que, na política, os proclamados fins justificam todos os meios.

A antiquíssima lógica do homem de sucesso continua a considerar que o poder pelo poder vale sempre uma qualquer missa.