Hino à glória de ter medo
Sei das regras todas, das leis, das circulares, das convenções. Sei prisões, direitos e garantias, códigos penais, processuais e as teorias todas do poder. Sei de cor os meandros do medo, notificações, contestações, concentrações. Sei sobretudo prisões sem culpa formada e legalíssimas justificações de tudo. Sei do medo e a repressão, sei tudo isto e não estou calado.
Sei e valia mais não saber, valia mais esquecer-me de quem sou e, renegando os princípios por que me querem prender, entregar-me às doces polícias do pensamento que sem proibir nos querem silenciar.
Valia mais censurar-me, arrepender-me, rasgar meus versos, não acreditar. Isto é, ter o prudente medo desse bom chefe de família que tem de ganhar a vida. Ter, em suma, a cobardia de não ser e parecer sempre do lado que convém.
Para quê defrontar o vento novo e arriscar causas perdidas, quando posso aplaudir o vencedor? Ser definitivamente da casta dos moderados, desses que tendo dito sim ao não, aparentando não dizer nada, podem, depois, muito convenientemente, demonstrar que não disseram o que calaram.
PS: Agradeço ao meu amigo René Magritte a ajuda que me deu com "Le Chef d'Oeuvre". Sem palavras disse todas as palavras que eram precisas.
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