a Sobre o tempo que passa: Duas pedradas neste charco que nos vai desesperando

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.10.07

Duas pedradas neste charco que nos vai desesperando




O Benfica lá voltou a ganhar, Sócrates, depois de duas boas inaugurações, entre fábricas biológicas de peixinho e pilhas de hidrogénio, irrita-se com as correias sindicais de transmissão de Jerónimo de Sousa, o Gato Fedorento entou na rotina da fama que levou à decadência de Herman e Marcello transforma os seus brilhantes comentários em direito de resposta. Por isso, releio as entrevistas de Cravinho e de Catalina, progressistas, socialistas e ex-hierarcas do socialismo no poder, onde confirmo a indisfarçável degenerescência do regime.




Com isto, não subscrevo a alarmista tese dos que proclamam a falta de autenticidade de toda a presente classe política. Apenas observo, com algum realismo, a existência de amplas zonas de incompetência. E que a principal causa deste desassossego está na evidante falta de educação das elites e da consequente desorganização do trabalho nacional, conforme denunciava o seareiro Ezequiel de Campos. E que radica na crescente incapacidade de justa avaliação do mérito individual, com o quantitativo a destruir o qualitativo.


Cravinho reconhece que não temos um Estado-Estratego, mas antes um Estado de Favores. Catalina, expondo factos indesmentíveis, envergonha o sistema de administração da justiça em nome do povo. Cravinho tem toda a razão quando proclama que o problema da corrupção não pode ser monopolizado pelo policiesco e pelo judiciesco. Por outras palavras, ambos reconhecem que o país está moralmente desarmado.


Infelizmente, cada um deles continua a alimentar os fantasmas de direita e os preconceitos de esquerda que nos têm embargado. Cravinho retoma a diabolizante cláusula geral do neoliberalismo, invocando uma nebulosa egotista que confunde com a ideologia esquerdista. Catalina continua obcecada pela serôdia e maniqueísta divisão de progressistas contra conservadores. Como se não houvesse socialistas corruptos e esquerdistas pedófilos.


De qualquer maneira, as duas análises foram inteligentes e corajosas pedradas no charco que nos vai desesperando. Tornaram indisfarçável a podridão que vai corroendo os nossos aparelhos de poder, presas fáceis de neofeudalismos, neocorporativismos e populismos.