a Sobre o tempo que passa: A sociedade não é senão o complexo dos grupos que a compõem

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.10.07

A sociedade não é senão o complexo dos grupos que a compõem


Depois de ter mobilizado a minha atenção para o fim da era mendista do PSD, tendo ainda ontem surgido umas declarações minhas ao Jornal de Notícias, também concluí o processo com uma última intervenção sobre a matéria no forum da TSF, prestada, aliás, em directo, em plena aula de uma licenciatura em ciência política, onde estava a explanar sobre a metodologia da complexidade. Agradeço ao Dr. Domingos Duarte Lima as palavras de cumplicidade valorativa que me dirigiu.


Com efeito, bem tentava comunicar aos alunos que o essencial do meu subsolo filosófico assentava na dialéctica clássica, greco-romana, da complexidade, onde, em vez do ecletismo e da tríade hegeliana da tese/antítese/síntese, preferia uma interpretação evolucionista da evolução, à maneira de Samuel Alexander ou Teilhard de Chardin. Porque nos sistemas abertos não há a lei da degradação da energia que domina o mundo físico e os sistemas fechados, não há aquela quantidade de energia que, sendo gasta numa mudança, se torna irrecuperável pelo sistema e fica para sempre na zona do desperdício.


Quem, gerindo democracias, as transforma em sistemas fechados, provoca a involução e o nivelamento, julgando que tudo é marcado pela probabilidade da morte da matéria. A energia de um sistema aberto atravessa o mundo físico e fá-lo subir para o improvável, assentando no poder que têm os seres vivos para a regeneração e a multiplicação, lançando para cima e para dentro, visando estados cada vez mais complexos e mais centrados, ligando os homens de centro a centro, de consciência a consciência, sempre no sentido do improvável.


Numa democracia, as situações e as oposições equivalem à convergência e à divergência da dialéctica clássica. A fase do futuro não passa de mera emergência, onde não desaparecem as anteriores convergências e divergências. Porque um sistema complexo, um sistema aberto, ou um sistema vivo, é regido por mecanismos de auto-organização, responde a flutuações aleatórias, tem processos de crescente complexificação, conduz a ordens cada vez mais espontâneas, dado que cada ordem tem novos desafios e surgem sempre ordens mais complexas.


Começo sempre a parte teórica das aulas, confessando a minha teoria, o meu perspectivismo, a minha concepção do mundo e da vida. Para dizer que a minha objectividade é não disfarçar os meus compromissos de valores. Por isso, tenho legitimidade para denunciar a circunstância de alguns inimigos da democracia a terem ocupado por dentro, sentando-se no vértice de alguns aparelhos de poder para a conquistarem, através do processo de subversão a partir dos mesmos aparelhos de poder. Só um assimétrico de mente é que não quer ouvir, ver e ler como estalinistas não reciclados, fascistas folclóricos e teocráticos feitos tecnocratas se preparam para nos amarfanharem. O anedotário segue dentro de momentos, enquanto Pôncio Pilatos lava as mãos com a interpretação autêntica dos respectivos despachos regulamentares. Espero que o Estado de Direito não continue distraído.