a Sobre o tempo que passa: O que a todos diz respeito, por todos deve ser decidido

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

11.1.08

O que a todos diz respeito, por todos deve ser decidido


Os séguella e cunha vaz do nosso primeiro aconselharam o dito a entrar numa deriva decisionista que, em dois dias, tanto anunciou o não referendo ao tratado porreiro, como a criação do aeroporto do campo de tiro com barrete verde e nova ponte rodo-ferroviária. Se as televisões não assinalaram a primeira efeméride, com um adequado debate europês entre Fausto de Quadros, Isabel Meireles e Teresa de Sousa, já trataram de comemorar o segundo em adequado engenheirês, com Van Zeller cipado e o bastonário da ordem, interrompidos por Cravinho a clamar contra as falsidades e a anunciar que, hoje mesmo, emitiria a sua defesa da Ota no "site" da faculdade coimbrinha onde o filho dá aulas.


Todos se puderam aperceber dos eternos meandros que preparam as grandes decisões que são suportadas pelo homem comum impostado. Porque parlamentos, governos e partidos são meros figurantes de guiões e encenações promovidas por trás dos cortinados do espectáculo de Estado, onde os detentores dos interesses dizem sempre que não estão interessados, conforme os manuais de programação típicos dos eficazes grupos de pressão que já se deixaram de frequentar os corredores dos passos perdidos e vão directamente à fonte.


O europês, por exemplo, prima por alguma brutalidade diplomática, como me foi dado assistir nos meus trintaninhos, quando vi enviados de um grande partido europeu em viagens de soberania junto de um líder político português, ameaçando-o directamente de expulsão da família, caso não se enquadrasse no politicamente correcto. Aliás, foi-me dado servir de intermediário num desses bailados, como representante junto de um grande chefe de partido de um outro país europeu, a fim de negociar o encontro do meu líder com um maiorzinho chefe da Europa mais central, coisa que obtive mas que saiu furada, porque, quando cheguei a Lisboa de missão cumprida e encontro marcado, já o meu mandante tinha sido mandatado pelo mandante aparentemente rival e teve que desistir das intenções, apoiando, contrariadamente, o candidato presidencial que movera as peças.


Cheguei há cerca de duas décadas à conclusão que todas as cimeiras que vamos tendo não passam da continuação da Conferência de Viena de 1815, onde Metternich negoceia com Talleyrand, ambos à espera que chegue Napoleão III e, sobretudo, Bismarck, a fim de comprarem os Garibaldi e mandarem Mazzini para a cadeia.


Quanto a aeroportos, gostei dos profundos conhecimentos e engenharia aeronáutica do João Soares, especialista em números de pistas e defendendo, sensatamente, que é melhor ter o avião que o leva à Geórgia a cinco minutos de casa. Admirei, mais uma vez, a teimosia de Henrique Neto e até a impertinência no ataque às vacas sagradas, no dia em que estas estavam em festa, comemorando o inequívoco triunfo do respectivo grupo de pressão.


Apenas me foi dado concluir que tudo o que eles decidem, decidiram ou vão decidir acabará por ser pago por quem assistiu passivamente ao espectáculo, porque foi transformado em simples audiência pelos actores que não são autores. Por mim, julgo que em democracia não pode haver apenas auditores e actores, dado que o zé pagante deveria voltar a ser o autor, desde que se adoptasse o tal princípio medieval que ontem aqui enunciei: o que a todos diz respeito, por todos deve ser decidido.
PS: A imagem das melancias quadradas, de olhos em bico, apenas tem a ver com a candidatura de Santos Ferreira ao BCP, nada querendo insinuar sobre o beato sítio onde se reúne o quartel-general da candidatura de Cadilhe.