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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.3.08

Dos carneiros feitos deuses, à arte de governar pela persuasão e pelo consentimento, dita arte política, quando já ninguém lê Platão


Belos tempos eram aqueles quando este rebanho de carneiros tinha um deus-pastor que nos guiava a todos e até nem precisávamos da arte política, desta coisa que apenas surgiu quando os homens começaram a ter que tomar conta deles próprios, vivendo um tempo de desordens e de injustiças, até porque os pastores governamentais e presidenciais já não são deuses, mas da mesmíssima espécie que o resto do rebanho. Por outras palavras, Maria de Lurdes é tão da raça rebanhal quantos os cem mil membros da classe que, contra as políticas que ela personifica, se manifestaram, comigo à mistura, porque há sempre alguém que resiste, porque há sempre alguém que diz não, nem que seja na rua, depois de o ter dito pela pena. Coitada da Maria de Lurdes, que é tão ovelha quanto Sócrates é carneiro, da mesma espécie de dois terços de uma classe que tem a força dos números, mas, segundo o grão-pastor, tão carneiro quanto os outros carneiros, não possui o "dossier" que lhe dá a força da razão.

Voltando ao Politikos de Platão, que estamos a reproduzir, neste interregno posterior ao despedimento de Camacho, se é possível o governo pela violência e pela opressão, como é timbre da tirania, também pode optar-se pela ordem e pela justiça, mais próximas daquilo que foram as nossas origens democráticas, utilizando a arte de governar pela persuasão e pelo consentimento, aquilo que o mesmo Platão qualifica como arte política. Uma arte de conciliar contrários, semelhante à do tecelão, onde reinar é fazer juntar e convergir grupos opostos de seres humanos e até qualidades contrárias, como a bravura e a doçura.

Aliás, se passarmos para outra obra de Platão, Nomoi, poderemos concluir que a política tem a ver com a tensão existente no comando que emerge de todas as leis, com essa forma mista que procura conciliar a coerção com a persuasão, onde se mistura a tirania própria dos escravos, na sanção, com a democracia, coisa própria dos homens livres, como acontece na exposição das razões constante do preâmbulo das leis. Porque só o governo das leis, desses comandos da recta razão, é que permite a paz, aproximando os homens do governo dos deuses.

Outro deve ser o conceito de razão do senhor ministro da propaganda nacional, com intervalos na relação com o parlamento, o ex-trotskista Silva que não esteve na Alameda, mas que disse ter sido tão antifascista que já não precisa de receber lições de liberdade de mais ninguém. Por outras palavras, segue aquela lei que levou o socialista Mussolini a fundar o fascismo, ou o socialista Laval a aliar-se, de forma colaboracionista, com os nazis, dado que estes também eram socialistas. Todos sabem que quem tem o poder tem o monopólio da palavra e daquele ilusionismo vocabular que faz os ministros, que têm a força do estadão, serem os donos de um cajado que confundem com a razão. Como se a razão da força alguma vez coincidisse com a força da razão. Como se apenas pudesse ter razão quem vence numericamente, até numa eleição, donde pode resultar uma maioria absoluta, tão aritmética quanto a de dois terços de uma classe numa manifestação, manifestando o seu direito à indignação.

Sócrates prefere as novas oportunidades de agências de "casting", distribuindo computadores, e já perdeu a paixão pela educação do governo Guterres, onde era ministro daquela co-incineração que ainda não ardeu. Logo, eles, os donos do poder, continuam a fazer maquiavélicos cálculos, típicos de todas as pequenas criaturas, desses pigmeus que não compreendem que só existem porque tomaram posse dos altos lugares do estadão.

E lá volto a Platão. Porque, a cada um dos regimes políticos, corresponde um certo tipo de homem. E todos eles apenas ocorrem dentro de cada um de nós, a partir da tensão entre a parte da alma que é dotada de razão e a outra a parte, a animal e selvagem. Porque existe, em cada um de nós, uma espécie de desejos terrível, selvagem e sem leis, mesmo nos poucos, de entre nós, que parecem comedidos.
Logo, há que fazer coincidir cada regime com o tipo de homem, porque o homem tirânico é feito à semelhança da polis tirânica, o democrático, da democracia e os restantes, do mesmo modo. Só pode, portanto, avaliar-se um regime como se avalia um homem, isto é, em pensamento. E só deve avaliá-los quem, em pensamento, for capaz de penetrar no carácter de um homem e ver claro nele.

Haveria assim três espécies de homens, o filósofo, o ambicioso, o interesseiro, movidos, respectivamente, pelo saber, pelo prazer das honrarias e pelo lucro. E dessa fricção é que surgiria a dinâmica dos regimes. Aqui, o padrão é o ministro Silva, palavra que, aliás, vem daquela selva onde os bons selvagens fazem parte das espécies em extinção... Prefiro ler Rousseau, porque este, ao menos, sempre traduziu em francês helvético, a carta do achamento dos índios, de Pêro Vaz de Caminha que Cavaco, feito D. João VI, anda relendo por terras da Guanabara, para dentro de dias regressar a um sítio onde há um governo de esquerda que pensa ter razão só porque tem mentalidade de direita...
PS: Logo, recebi convite para ir aos "prós e contras". Vou para a plateia, sentar-me do lado dos republicanos, para dizer que continuo monárquico, azul e branco, mas que só posso instaurar o reino, com rei eleito, como era típico das nossas leis fundamentais, se antes restaurarmos a república, dado que aquilo que temos, é o poder à solta, sem autoridade, a que damos o nome de estadão, ou de estado a que chegámos, tudo em minúsculas...